A cada ciclo eleitoral, repete-se o mesmo roteiro. Policiais se lançam candidatos, carregando no discurso a promessa de representar a categoria, de defender quem vive a dureza da rotina e conhece, por dentro, os problemas do ofício. Falam em compromisso, em lealdade, em mudança. Durante a campanha, são atentos, acessíveis, quase fraternos. Depois da eleição, tornam-se outra coisa.
No período de pedidos de voto, escutam com paciência as queixas antigas: salários corroídos, jornadas exaustivas, falta de pessoal, estruturas decadentes. Concordam com tudo, indignam-se com todos os abusos. Falam alto, adotam tom firme, vendem a imagem de quem não teme o poder. Parecem gigantes.
Mas, uma vez instalados nos cargos, encolhem. O discurso se suaviza, a indignação desaparece, a coragem cede lugar à conveniência. Aqueles que prometeram defender os trabalhadores passam a votar contra seus interesses, alinhando-se docilmente ao chefe do Executivo. O tigre do palanque vira um felino manso, domesticado pelas benesses do poder.
O mais doloroso é perceber que essa transformação não é exceção, mas padrão. Gente que conhece a realidade da base, que saiu de baixo, curva-se diante dos interesses de cima. Quem ontem pedia apoio com humildade hoje age com arrogância, tratando os próprios colegas como obstáculo político. A mão que antes apertava agora pesa, como se fosse carrasco dos próprios irmãos.
Em conversa recente com uma colega de carreira que cogita entrar na disputa eleitoral, expus essas frustrações acumuladas. Falamos dos candidatos midiáticos, especialistas em discursos inflamados, que exploram a revolta da categoria para se eleger. São valentes na campanha e submissos no mandato.
Falam grosso para enganar os seus e falam baixo para agradar os donos do poder.
Enquanto isso, os problemas reais seguem ignorados. A saúde mental dos policiais se deteriora em silêncio. Os casos recorrentes de suicídio são tratados com constrangimento e esquecimento. As perdas salariais se acumulam, o efetivo diminui, as condições de trabalho se degradam. Falta gente, falta estrutura, falta respeito.
O que não falta é oportunismo. A política se alimenta de promessas fáceis e memórias curtas. Mas a categoria começa a perceber que não precisa de salvadores ocasionais, nem de figuras que só lembram de suas origens em época de eleição.
O que se espera é simples e raro: representantes que não se ajoelhem depois da vitória. Que entendam que compromisso não termina na urna. Que saibam que não há dignidade em trocar a confiança dos seus por um lugar confortável à sombra do poder.
Porque a maior traição não é eleitoral. É moral.
(*) JOEL MESQUITA é Sociólogo e Escrivão de Polícia
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