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Artigos Segunda-feira, 29 de Dezembro de 2025, 08:50 - A | A

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Segunda-feira, 29 de Dezembro de 2025, 08h:50 - A | A

GONÇALO NETO

Buenos Aires, entre livros, estádios e memória

GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO

Buenos Aires não se deixa conhecer de uma vez. Ela se insinua. Caminha ao lado do visitante como quem conta histórias sem pressa, misturando passado e presente, razão e paixão. Passear por suas ruas, como me encontro com a família, é entrar em uma cidade que nunca se contentou em apenas existir: ela pensa, discute, escreve — e grita gol.

A  Argentina nasceu de disputas e contradições, e Buenos Aires sempre foi o palco principal. Porto aberto ao Atlântico, a cidade recebeu imigrantes, ideias e conflitos. Italianos, espanhóis, anarquistas, liberais e sonhadores ajudaram a formar esse temperamento intenso, às vezes melancólico, às vezes explosivo. Não é por acaso que daqui saiu o tango, esse sentimento coreografado que, como dizia Ernesto Sabato, é “um pensamento triste que se dança”.

Alguns lugares ajudam a decifrar essa alma. A Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, monumental, parece lembrar que o país sempre apostou na palavra escrita, na lei e na República, mesmo quando a realidade insistiu em contrariar o ideal. O MALBA, por sua vez, mostra uma Argentina que dialoga com a América Latina e com o mundo, sem pedir licença nem pedir desculpas. Solar, Frida Kahlo, cores, rupturas — arte como forma de pensar o continente.

Buenos Aires também é feita de livros. A livraria El Ateneo, instalada em um antigo teatro, talvez seja a melhor metáfora da cidade: onde antes havia espetáculo, hoje há leitura. Jorge Luis Borges — que dizia que “sempre imaginou o paraíso como uma biblioteca” — parece caminhar silencioso entre as estantes. Ao lado dele, Julio Cortázar e Sabato compõem um trio que transformou a literatura argentina em patrimônio universal. Aqui, a cidade não apenas inspira escritores: ela exige que se escreva sobre ela.

Do alto do ônibus aberto, percorrendo avenidas largas e bairros contrastantes, a cidade se deixa ver como síntese de suas próprias tensões. Buenos Aires não esconde suas cicatrizes: palácios e moradias simples dividem o mesmo trajeto, monumentos republicanos convivem com estádios populares e a política parece sempre à espreita, mesmo quando ninguém a menciona. Há algo de pedagógico nesse passeio: ele ensina que esta é uma cidade construída pela sobreposição — de tempos, de projetos, de vozes — e que sua identidade nasce justamente do atrito entre elas.

E então vem o futebol. Entrar em La Bombonera é entender que, na Argentina, o futebol não é entretenimento: é identidade. O estádio do Boca Juniors pulsa como organismo vivo. Ali, Diego Maradona continua presente em cada canto. “A bola não se mancha”, disse ele — e a frase virou ética popular. Messi, mais silencioso, levou essa herança ao mundo com genialidade e perseverança. Di María, incansável, representa o esforço que o torcedor reconhece como virtude moral.

Para quem vem do Brasil, há um detalhe que aquece o coração: a torcida do Boca é amiga da torcida do Vasco da Gama. Uma aliança improvável, mas sincera, dessas que só o futebol sul-americano é capaz de criar. Em tempos de fronteiras duras, o futebol insiste em construir pontes.

Há ainda uma presença argentina que ultrapassou fronteiras e continua a ecoar: o papa Francisco. Nascido Jorge Mario Bergoglio, em Buenos Aires, ele carrega no sotaque, nos gestos e nas metáforas algo muito portenho — direto, desconfiado do luxo, atento aos que ficam à margem. Torcedor confesso do San Lorenzo, Francisco nunca escondeu que aprendeu mais sobre comunidade nas arquibancadas e nos bairros do que nos palácios. Sua insistência em uma “Igreja pobre para os pobres” dialoga com uma Argentina marcada por desigualdades persistentes e crises recorrentes, mas também por forte sensibilidade social. Quando afirmou que “a realidade é superior à ideia”, o saudoso papa parecia falar a partir dessa cidade concreta, feita de gente comum, debates intensos e contradições à flor da pele.

Buenos Aires se revela inteira no movimento: livrarias cheias, cafés antigos, estádio fervendo, museus silenciosos. Esta não é uma cidade para ser apenas fotografada. É uma cidade para ser lida — e relida — como um bom livro que nunca se esgota.

É por aí...

(*) GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO (Saíto) é da Academia Mato-Grossense de Letras (Cadeira 7) e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso – IHGMT (e-mail: [email protected]).

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