Em meio às disputas ideológicas, campanhas milionárias e discursos inflamados em nome da liberdade e da democracia, uma pergunta ecoa com força: quem é minha pátria? Será ela um símbolo nas tribunas, um slogan em palanques, ou uma abstração usada para justificar o saque de recursos públicos? Quando políticos constroem ilhas de poder alegando servir ao povo, mas o ignoram, torna-se urgente repensar o verdadeiro sentido de pátria e representação.
A ideia de pátria, na tradição filosófica e republicana, não se refere a uma entidade abstrata a ser idolatrada, mas a um projeto coletivo de bem comum. Cícero, na Roma antiga, já dizia que “a salus populi suprema lex esto”, a saúde do povo deve ser a lei suprema. Portanto, a verdadeira pátria é feita de pessoas, não de partidos. É o bem-estar do cidadão comum, não os castelos institucionais erguidos para garantir poder a uns poucos.
No entanto, no Brasil contemporâneo, o que se vê é o esvaziamento desse ideal. Políticos de diferentes espectros partidários transformam os mecanismos do Estado, criados para proteger o interesse público em fortalezas de seus próprios projetos. Em nome da liberdade, perseguem adversários. Em nome da democracia, censuram, cooptam ou silenciam. A “pátria”, aqui, torna-se desculpa. E como advertia Simone Weil, “a mentira é o primeiro ato de violência contra o espírito”.
Conceitos como liberdade e democracia são cada vez mais esvaziados de seu conteúdo original. A liberdade, para John Stuart Mill, era o espaço da autodeterminação racional; hoje, virou bordão de rede social. A democracia, desde Aristóteles, implicava soberania do povo; agora é usada para legitimar decisões centralizadoras e desconectadas da sociedade. A forma permanece, o sentido se perdeu.
O filósofo Jean-Jacques Rousseau advertia que “o povo inglês se considera livre apenas durante o momento da eleição dos membros do Parlamento; uma vez eleitos, torna-se escravo”. No Brasil, a liberdade é prometida em campanha e negada na prática. O povo vota, mas não governa. Paga, mas não usufrui. Trabalha, mas não é representado.
A pátria é desfigurada quando seus representantes abandonam o ideal republicano para ocupar espaços de poder como feudos pessoais. O Estado torna-se instrumento de autopreservação, não de transformação social. O dinheiro público é canalizado para alianças, benefícios e perpetuação no cargo. Como afirmou Norberto Bobbio, “o poder sem controle é a origem de toda tirania”.
Assim, cria-se uma elite política não necessariamente partidária, mas funcional que opera acima do país real. Discursos inflamados sobre “defesa da liberdade” escondem práticas autoritárias. Proclamações sobre “democracia” servem de verniz institucional a sistemas que mantêm a desigualdade, a ignorância e a pobreza estrutural.
Reencontrar a pátria é, portanto, mais do que uma tarefa cívica, é um imperativo ético. Significa reconstruir o vínculo entre representação e representado, entre poder e responsabilidade, entre discurso e realidade. Minha pátria não é o palanque, nem o gabinete, nem o privilégio blindado pela retórica oficial. Minha pátria é o enfermeiro mal pago, o professor ignorado, a mãe que enfrenta fila de hospital com o filho no colo, o empresário endividado ou falido o jovem que morre sem ter vivido.
“Pátria”, disse José Martí, “é a humanidade.” E no Brasil de hoje, esse ideal está sendo desafiado por um sistema onde muitos se dizem seus defensores, mas poucos agem como seus servos.
(*) JOÃO EDISOM DE SOUZA é Analista politico e Professor universitário.
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