Nos últimos vinte anos no Brasil, presenciamos estudos e pesquisas com desdobramentos incríveis sobre etnia, gênero e classe social. Esses estudos são alvos de expressiva repercussão no meio acadêmico. Pesquisadores negros em sua maioria das Ciências Humanas se esforçam exaustivamente para desmontar discursos pseudocientíficos.
De forma constitutiva essas narrativas foram sedimentadas no comportamento do povo brasileiro influenciando Leis, vocabulários, estruturas de segregação com alto requinte de crueldade, inclusive nas politicas públicas sociais. Esse movimento de desconstrução ganhou maior expressividade quando pesquisadores negros entraram para as universidades e para a política.
Um dos debates mais acalorados nos últimos tempos é a categoria: “pardo”. No sistema de classificação do IBGE, a palavra é definida como mistura de cor de pele, pele miscigenada ou mestiça. Para entendermos o IBGE, precisamos compreender a fórmula ‘mestiço’. A palavra vem de origem portuguesa e significa sangue misturado, pessoas descendentes de etnias diferentes; pode-se dizer “mistura entre índio, africano e europeu” que consiste em implicações étnicas interpretadas como definições de fenótipos com ideias de branqueamento.
No Brasil, o processo de branqueamento, foi imposto e naturalizado como forma de estabelecer um perfil em condição de mistura étnica, trazendo uma complexidade expressiva no que diz respeito à cor, pois nessas categorias se definem pelo fenótipo mais determinante pela condição social do que pela pele. Nesse sentido, a ideologia da mestiçagem postula a incapacidade de ascensão social, visto que a cor é critério de status, ou seja, a sociedade brasileira organizou-se de maneira a impedir a ascensão do negro e do mestiço.
Nos estudos do pesquisador Oracy Nogueira, sobre a ideologia da mestiçagem, a questão fica mais contundente, pois mesmo que o preto tivesse igualdade de condições sofreria barreiras, visto que a organização político-social-econômica do Brasil foi articulada e idealizada para o branco na medida em que sua suposta superioridade foi ensinada culturalmente e ancorada na ideologia do branqueamento que simultaneamente associa os traços negroides ao caráter e padrão estético.
A ideologia do branqueamento, assim como a democracia racial, pauta-se no plano sociológico e político em que a única condição para o negro ascender socialmente seria branquear-se pela incorporação cultural. O que seria isso? Assumir outra cor de pele e os modos de ser do branco como, por exemplo, (alisar o cabelo, comportar-se como branco assumindo os modos de vida dele entre outros). Isso significa desaparecer a existência pela incorporação cultural e social a única chance dada ao mestiço branqueado no processo cultural.
No Brasil contemporâneo, esse processo ainda traz expressivas motivações ao branqueamento, impondo ao afro-brasileiro oriundo da mestiçagem uma incerteza identitária. O próprio IBGE, para fins demográficos, demanda uma classificação de cor por autodeclaração. Ora, se estamos falando de um país que sofreu influência eugenista de fortes códigos culturais com propósitos de controle e branqueamento, como podemos classificar a cor por autodeclaração?
Constata-se que o próprio IBGE reconhece às críticas na forma como vem operando essa classificação de cor em suas pesquisas, inclusive nos protocolos de Investigação com seres humanos, encontramos informações em que é exigida a classificação de cor de acordo com o IBGE. Isso quer dizer que, existe todo um sistema organizado para que esta autodeclaração aconteça de acordo com padrões estabelecidos culturalmente. Esses padrões irão determinar a base social e o nível de importância que essa representação sedimenta em discursos e comportamentos.
Portanto, é sensato o questionamento: quem é o “pardo” no Brasil hoje? “Pardo” é cor de pele ou práticas políticas e ideológicas pressupostas para a autodeclaração? Isso significa, grosso modo, que tendo o Brasil passado pelo processo de branqueamento nas linhas da eugenia, a categoria “pardo” seria representada pelo mesmo mulato mestiço declarados pretos em países mais organizados com a questão étnica.
Mas a boa notícia quem traz é o próprio IBGE. Entre 2012 a 2016, o número de pessoas que se autodeclaram brancas caiu de 46,6% para 44,2%, para onde foram esses supostos brancos? Possivelmente para a categoria pardo que aumentou de 45,3% para 46,7% e a dos pretos de 7,4% para 8,3%. Entre 2016 a 2019 o número de autodeclaração de pretos subiu assustadoramente para 29,3%, segundo a Pnad IBGE ( maio/2019). De onde vieram tantos pretos? Possivelmente migraram da categoria pardo.
Mal podemos esperar as cenas dos próximos capítulos desta saga, quando for divulgado o senso previsto para 2022, (Isso se o IBGE não for extinto até lá). A expectativa é que esse percentual poderá elevar-se ainda mais, quando se contextualiza o número expressivo de pesquisadores negros que utilizam das plataformas de redes sociais para desmontar ideias de branqueamento.
Com a força da ancestralidade negra, potencializam conhecimentos em uma linguagem simples e acessível pulsionando a autoafirmação étnica afro-brasileira de forma a descolonizar a identidade fragmentada e resignificar a cor da pele com conhecimento de causa. Isso é o que chamamos de luta de imagem e resistência recheada com a assinatura da ciência e do respeito à diversidade .
“Até Doce” como diz o bom cuiabano. Ubuntu aos nossos pesquisadores negros. Simbora pra luta então!
(*) MORY MARCIA DE OLIVEIRA LOBO é Doutoranda em Educação pelo PPGE/UFMT/CAPES. Pedagoga e Mestra em Educação pela UFMT. Pesquisadora de Gênero Feminino Negro em Redes Sociais pelo LeTêce- Laboratório de Estudos em Tecnologias e Comunicação na Educação.
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br
Clique aqui e faça parte no nosso grupo para receber as últimas do HiperNoticias.
Clique aqui e faça parte do nosso grupo no Telegram.
Siga-nos no TWITTER ; INSTAGRAM e FACEBOOK e acompanhe as notícias em primeira mão.