Somente os tolos não veem e somente os maus não reconhecem os importantes e positivos progressos que o Brasil experimentou após a democratização e a derrota da ditadura de 1964.
Em primeiro lugar, a conquista da própria democracia, materializada na Constituição de 1988 e a consagração dos direitos e garantias individuais e coletivos. Sem ser perfeita, como obra humana, apesar de alguns excessos e outras tantas lacunas, nossa Carta Constitucional é republicana, laica, humanista e democrática.
Foi a Constituição de 1988 que permitiu a consolidação e o aprimoramento de instituições que hoje desempenham papéis essenciais para a boa execução de políticas públicas e a efetivação dos direitos sociais, a exemplo do Ministério Público, dos órgãos de controle externo e interno, da Defensoria Pública etc.
Foi também a Constituição de 1988 que criou o Sistema Único de Saúde – SUS, única possibilidade para dezenas de milhões de brasileiros terem acesso a serviços de saúde e cuja existência foi decisiva para salvar milhares de vidas na pandemia da Covid-19.
A seguir, a democracia nos trouxe a estabilidade monetária, com o Plano Real e o controle da inflação. Como todo economista honesto sabe, a inflação é um dos mais perversos mecanismos de concentração de renda e exclusão social.
Posteriormente, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu regras para a gestão fiscal equilibrada e sustentável, criando instrumentos de controle tempestivos e transparentes para prevenir, identificar e coibir riscos e abusos. Em diversas outras áreas criaram-se normas inovadoras estimulando políticas públicas descentralizadas e participativas, como a política nacional de recursos hídricos, o sistema nacional de unidades de conservação, a política nacional de resíduos sólidos, o estatuto da microempresa, a lei de diretrizes e bases e o plano nacional de educação.
Outras iniciativas vieram enfrentar discriminações e violências seculares, como a Lei Maria da Penha, a Lei das Cotas, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto das Pessoas com Deficiência, a Lei de Adoção. Na esfera do Judiciário, destacam-se a lei dos juizados especiais, a modernização do Código Civil e do Código de Processo Civil, bem como importantes inovações no Código Penal.
Por fim, a democracia nos trouxe a instituição de bem-sucedidas políticas sociais de inclusão social, transferência de renda e combate à miséria, partindo do Bolsa-Educação até o Bolsa-Família.
Todas essas conquistas da democracia e da sociedade brasileira têm sido alvos da ofensiva reacionária que tomou corpo nos últimos anos, com uma agenda explícita de retrocesso generalizado nos mais diversos campos.
Em recente manifestação, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, fez referência à “cupinização institucional”, ou seja, o processo de progressiva deterioração das instituições governamentais, a partir de dentro e a partir dos superiores hierárquicos, desvirtuando-as de sua missão de servir ao interesse público e ao interesse nacional. Por sua vez, estudos de diversos acadêmicos denunciam o “assédio institucional” perpetrado contra servidores de carreira que executam ações de políticas de estado e não do interesse paroquial de mandatários de ocasião.
No que concerne à inflação, perdeu-se de vez o controle e a marca de dois dígitos já foi ultrapassada, com reflexos maiores para as famílias mais pobres. O Bolsa-Família e outras políticas inclusivas foram abandonadas em troca de iniciativas improvisadas, mal planejadas e mal executadas. Também não se pode mais falar em gestão fiscal responsável quando dezenas de bilhões de reais são consumidos pelo “orçamento secreto” e por benefícios fiscais aleatórios. Além disso, inúmeras iniciativas intentam retroceder na legislação ambiental e em outros setores.
É hora, pois, de uma contraofensiva em defesa das conquistas democráticas e sociais, da gestão pública eficiente, do orçamento transparente, dos direitos humanos e dos valores civilizatórios.
(*) LUIZ HENRIQUE LIMA é professor e Auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT.
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