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Artigos Segunda-feira, 04 de Agosto de 2025, 09:15 - A | A

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Segunda-feira, 04 de Agosto de 2025, 09h:15 - A | A

GONÇALO NETO

O homem, o magistrado, o intelectual

GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO

A morte de um homem não é apenas a cessação de um corpo, mas, como já ponderava Santo Agostinho, a interrupção de um modo singular de presença no mundo. Na quarta-feira, 30 de julho de 2025, em Cuiabá, aos 86 anos, despediu-se de nós o Desembargador Benedito Pereira do Nascimento, pessoa que, mais do que ocupar cargos e funções, encarnou uma forma de ser no Direito e na vida pública.

Nascido em Cuiabá, em 3 de abril de 1939, Benedito Pereira do Nascimento iniciou sua trajetória como promotor de Justiça, papel no qual aprendeu, no calor da lide forense, a conciliar o rigor técnico com a prudência. Durante 16 períodos, atuou como procurador da República, adquirindo a perspectiva ampla que lhe permitiu compreender a engrenagem estatal não apenas por dentro, mas também pela sua interface com a sociedade.

Seu ingresso na magistratura levou-o, primeiramente, a comarcas do interior, como Rosário Oeste, e, posteriormente, a Cuiabá, onde exerceu a função de diretor do Fórum. Ali, demonstrou a vocação de gestor e a habilidade de conduzir, com urbanidade e firmeza, a complexa máquina judiciária.

Entre 1º de março de 1983 e 27 de fevereiro de 1985, presidiu o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, imprimindo-lhe uma gestão equilibrada, marcada pelo respeito institucional, na qual se fez respeitar pelo senso de justiça e pela clareza de raciocínio. Exerceu também as funções de Corregedor-Geral da Justiça e Vice-Presidente da Corte, sempre atento à dimensão ética que deve sustentar qualquer exercício de poder. À frente do Tribunal Regional Eleitoral, reforçou o compromisso com a integridade dos processos democráticos, consciente de que a jurisdição eleitoral não se limita à técnica, mas alcança a própria legitimidade do regime representativo.

Não se limitou, porém, à judicatura. Foi Professor Titular da Universidade Federal de Mato Grosso, compreendendo que a docência é uma extensão natural da função jurisdicional: ambas lidam com a transmissão de valores, com a formação de consciências e com o aprimoramento da razão pública. Aposentou-se do Tribunal de Justiça em 2009, mas não do pensamento e da vida cultural. Ocupava a cadeira n.º 20 da Academia Mato-Grossense de Letras e integrava o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, instituições centenárias em que a palavra e a memória encontram abrigo.

Chamado carinhosamente por meu pai, Deputado Gilson de Barros, de “Pereirão”, e amigo próximo de meu tio, Evaldo de Barros, procurador de Justiça, a divina providência me honrou em ter o privilégio de sua convivência na magistratura (AMAM), na Academia de Letras, na Academia de Magistrados, no Instituto Histórico e Geográfico e no magistério superior (UFMT). Tivemos, assim, não apenas a convivência profissional, mas a possibilidade de partilhar a comunhão intelectual. Em nossas conversas, percebia-se o gosto pela história, o apreço pela literatura e a convicção de que o Direito não é uma ilha, mas um arquipélago que se liga à filosofia, à política e à arte.

No plano humano, impressionava a capacidade de ouvir — virtude rara em tempos de discursos apressados. Compreendia, como ensinou Hannah Arendt, que “julgar é pensar do ponto de vista do outro”. Essa disposição para o diálogo era o fundamento silencioso de sua autoridade: mais do que impor decisões, procurava construí-las.

O seu falecimento, por evidente, abre uma lacuna institucional e afetiva. Mas sua biografia demonstra que a verdadeira herança não se resume a títulos ou atos administrativos: ela se traduz em exemplo. Exemplo de magistrado que soube harmonizar técnica e sensibilidade; de intelectual que não se omitiu e nem se fechou na torre de marfim; de homem público que entendeu que poder sem responsabilidade é mera usurpação.

O filósofo Giambattista Vico dizia que a história humana se move em ciclos, mas que, em cada ciclo, há homens que elevam o espírito da época. Benedito Pereira do Nascimento foi um desses homens. E se a morte nos retira sua presença física, ela não extingue o que dele permanece: a lembrança de sua integridade, o legado de sua obra e a inspiração que deixa aos que continuam a acreditar que a Justiça, a cultura e a vida pública podem ser exercidas com grandeza - servir ao Direito sem esquecer a humanidade, e cultivar a humanidade sem abandonar o rigor do Direito.

(*) GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO (Saíto) é da Academia Mato-Grossense de Letras (Cadeira 7) e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso - IHGMT.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

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