No último dia 28 de outubro, a querida dona Eulália fez a passagem, deixando órfãos e órfãs a “cuiabania”. Após reclamar de dores no dia 24, foi internada no domingo, dia 27, vindo a falecer no outro dia, aos 90 anos.
Cozinheira de “mão cheia”, mantinha há quase 70 anos viva a tradição do bolo de arroz cuiabano, que aliás é prato típico de Mato Grosso, de acordo com a Lei nº 10.514/2017. Em seu restaurante, que funcionava no quintal de casa, o chá com bolo também trazia as iguarias mato-grossenses do bolo de queijo, pão de queijo e da chipa.
A amável Dona Eulália movimentou a economia regional. Saída da região rural de Cuiabá, da comunidade de Aricazinho, mudou-se com a família para a capital em 1950, visando melhoria para a família. A finalidade da mudança se perfazia em oportunidades de trabalho e educação para os descendentes, se instalando no conhecido bairro da Lixeira. Provavelmente, ela não esperava, com a humildade que lhe é peculiar, que o seu nome se tornaria símbolo da cultura mato-grossense.
Com necessidade de completar a renda para o sustento da casa, decidiu comercializar os seus deliciosos bolos de arroz. A receita? Arroz, mandioca, açúcar, manteiga, coco e canela, com ensinamentos de uma tia. Contou, certa vez, que somente após acertar o ponto do bolo, passou a comercializar, no ano de 1956. Inicialmente a venda foi de porta em porta, em frente das escolas, e na Igreja de São Benedito. Com o sucesso das vendas, a nossa homenageada abriu o espaço para vender as suas maravilhosas iguarias. Acordava às 3 horas da manhã diariamente, para iniciar a preparação do bolinho de arroz.
A cozinha é quase um templo para se entender o machismo estrutural. Segundo pesquisa do PNAD, 96% das cozinhas domésticas brasileiras são lideradas por mulheres. Todavia, quando o assunto é cozinha profissional, apenas 7% tem a liderança feminina. Mundialmente, aproximadamente 5% das mulheres possuem a estrela Michelin, que se constitui em uma das classificações mais importantes da gastronomia.
A nossa Dona Eulália construiu o seu nome e valorizou a cultura de Mato Grosso brilhantemente! E não somente com o poder do sabor como cozinheira, mas com o amor no trato para com as pessoas. O seu restaurante tinha horário diferenciado para abrir e fechar. E era lotado. Cheio de boas energias, felicidade, carinho, ternura, paz e sabor!
Nasceu no Dia Internacional do Leonismo, que é um movimento que promove o bem-estar da coletividade, os princípios éticos, e o congraçamento universal voltado para os serviços humanitários. E a sua passagem ocorreu em 28 de outubro, no Dia Internacional da Animação.
Aliás, a palavra animação sempre a exprimiu. O vocábulo deriva de “anima” que é traduzido como espírito ou alma. A verve de animar, de dar alma a algo que poderia estar triste, é a verdadeira tradução da amada Dona Eulália.
Em entrevista para a Folha de São Paulo, declarou: “O bolinho criou meus filhos, meus netos. Ajudou e me ajuda até hoje.”
Sentimento de carinho e respeito aos 8 filhos, 22 netos e 34 bisnetos. E que aquele sorriso cativante ilumine outras mulheres guiadas e inspiradas por ela!
Dona Eulália, presente!
(*) ROSANA LEITE ENTUNES DE BARROS é defensora pública estadual e mestra em Sociologia pela UFMT.
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