No centro da Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy há uma provocação simples e exigente: decisões não valem pelo carimbo, mas pelas razões. O juiz não “encontra” o direito como quem acha um objeto esquecido; ele o reconstrói em público, sob critérios de racionalidade intersubjetiva. A sentença, assim, não é um ato de vontade travestido de técnica: é um discurso que precisa convencer — e se deixar controlar.
Alexy parte de uma distinção decisiva entre regras e princípios. Regras funcionam no modo tudo-ou-nada: se se aplicam, decidem o caso, salvo exceção. Princípios são mandamentos de otimização: ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas. Quando princípios colidem — liberdade de expressão e proteção da honra, por exemplo —, não há “incompatibilidade lógica”, mas competição prática. Resolve-se com ponderação, não com mera subsunção.
Para que a ponderação não vire licença poética, Alexy propõe um modelo de racionalidade: princípios são pesados segundo a importância dos bens em jogo, a intensidade da restrição e o grau de certeza dos fatos; exige-se transparência dos critérios e proporcionalidade em três passos — adequação (o meio contribui para o fim?), necessidade (há alternativa menos gravosa?) e proporcionalidade em sentido estrito (o sacrifício compensa o ganho?). O resultado não é a verdade matemática, mas uma justificação publicamente auditável. É aqui que sua teoria conversa com a ética do discurso de Habermas: a validade de uma norma depende de poder obter o assentimento dos afetados em condições ideais de fala; no tribunal, se traduz em deveres de motivação, publicidade e abertura à crítica.
Esse pensador também formula a chamada tese do caso especial: aplicar o direito é um caso especial do discurso prático geral. Em outras palavras, a decisão jurídica carrega um requisito moral de correção — não qualquer moralidade privada, mas padrões públicos de justificativa. Daí a aproximação e o contraste com Dworkin. Se para Dworkin casos difíceis pedem a melhor interpretação integradora do sistema (“o direito como integridade”), Alexy responde com um procedimento de ponderação que explicita pesos e razões. Ambos rechaçam o decisionismo: ninguém decide legitimamente só porque pode.
Os críticos apontam riscos de subjetivismo: quem garante que “pesos” não são preferências? Alexy responde com controles institucionais e discursivos: ônus de argumentar, precedentes, consistência entre casos, carga de prova, padrão de revisão. Em suma, ponderar não é “sentir”; é racionalizar escolhas sob escrutínio público.
O Brasil conhece bem essa gramática. De cortes constitucionais ao juiz de comarca, a proporcionalidade tornou-se idioma comum para conflitos de direitos. Há ganhos evidentes — explicitação de razões, contenção de arbitrariedades — e perigos reais: a fetichização do sopesamento, quando fórmulas substituem análise concreta, ou quando a retórica da proporcionalidade encobre vieses e dados frágeis. A lição alexyana aqui é dupla: (1) fatos importam — a intensidade da restrição depende de evidências, não de suposições; (2) ônus de clareza — quem restringe direitos deve dizer exatamente por que, com que base empírica e por quanto tempo.
No fim, a aposta é ética e institucional. Ética, porque assume que direitos fundamentais não são fichas trocáveis ao sabor do humor do dia: precisam de boas razões compartilháveis. Institucional, porque pede arranjos que incentivem a boa justificação — prazos razoáveis, audiências públicas, dados abertos, cultura de precedentes, formação em escrita decisória. Decidir continuará sendo escolher; a diferença é escolher à luz, e não na penumbra do arbítrio.
É por isso que a teoria de Alexy continua fértil: não promete a “resposta correta” infalível, mas um caminho exigente para que as respostas possam ser defendidas sem vergonha. Em tempos de ruído, ela nos lembra que o direito só é autoridade quando a sua voz é argumento.
É por aí...
(*) GONÇALO ANUNES DE BARROS NETO (Saíto) é da Academia Mato-Grossense de Magistrados (Cadeira 19) e da Academia Mato-Grossense de Direito (Cadeira 30)
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