CADÊ O MEU PRESENTE? Assim mesmo, em letras garrafais, foi a minha recepção ao encontrar o meu filho autista de seis anos, no dia Mundial de Conscientização do Autismo. “Se hoje é o meu dia, CADÊ O MEU PRESENTE?”, falou ele com todas as forças dos pulmões e a impulsividade que é natural para as crianças. E com a ironia que é concedida a nós mães sobrecarregadas eu apenas respondi: “boa tentativa”.
Mas esse questionamento ecoou em mim e eu trago para ele, e para todos a resposta que eu consegui. O presente é a VISIBILIDADE. Esse mês, como todas as outras datas que destacam as minorias, foi criado para que as pessoas tenham contato com o tema, uma vez que a maioria não tem a proatividade de buscar informações, antes de ser confrontado com o autismo em algum círculo social.
Como jornalista, sempre acreditei na responsabilidade social de compartilhar as informações que eu adquiri nos últimos seis anos. Sendo a mãe da criança mais empática e ao mesmo tempo rígida que eu conheço, um sorridente autista desta geração, com hiper foco em games e tecnologia.
Mas o cansaço, que é uma mistura das exaustivas lutas para manter o atendimento mínimo das minhas crianças, o caçula está em investigação para o espectro ampliado do TEA. E o capitalismo que nos massacra, numa realidade que a consulta com neuro é R$ 900,00, e a hora terapia que nem chega aos 60 minutos é no mínimo R$ 250,00, a única solução para uma família autista é ser milionária.
E essas limitações levaram com elas as minhas forças, e só me restou silenciar e seguir. Até aquela pergunta, que me trouxe a esse texto-resposta.
Esse é meu presente para você, filho, e para todos os filhos autistas, mães e pais que são invisíveis no resto do ano.
O que eu posso entregar hoje é espaço neste digníssimo site HiperNotícias para dizer a todos que estão investindo o seu tempo em ler este texto.
Dizer que “na minha época não tinha nada dessas coisas, e a gente era feliz”, é o máximo da ignorância
Nós, familiares de autistas, fazemos um esforço sobre humano, diariamente, para criar boas e funcionais pessoas para esta sociedade, para o bem deles, e de todos.
E apenas neste mês de abril, nós usamos a visibilidade para clamar: SAIA DA IGNORÂNCIA! Deixe de ignorar a nossa existência, aceite e aprenda a conviver com a diferença.
Não é aceitável que na era da inteligência artificial a maior parte da população escolha não saber o que é autismo, e como as suas atitudes refletem na qualidade de vida, de pessoas que não conseguem comunicar o próprio desconforto.
A ignorância é a mãe da crueldade, e infelizmente nós vivemos isso na pele, com capacitismo, discriminação, e até mesmo violência contra um bebê, e uma criança pelo simples fato, dela não performar uma normalidade que só existe na cabeça das pessoas.
Não é mais aceitável falar que “tudo hoje é autismo” ou que “esse menino só é mimado”. Chamar de “coitadinho”, “probleminha”, “diferentinho” ou “ele não é normal”.
Ou pior: forçar interações desrespeitosas para encaixar o comportamento a padrões que são violentos, como mudanças abruptas de rotina, exposição a barulhos, sensações e alimentos. Obrigar abraços com pessoas que só vêem uma vez ao ano, ou deixar com fome porque não aceitou o que foi ofertado no horário “correto”.
Dizer que “na minha época não tinha nada dessas coisas, e a gente era feliz”, é o máximo da ignorância.
Na sua época, os nossos filhos estavam em manicômios, amarrados a camisas de força, sofrendo incontáveis torturas, enquanto as mães eram culpabilizadas por serem frígidas, não que hoje não sejamos.
Sim, o mundo mudou, e ainda bem.
Pode ser que tantos autistas sempre tenham existido, ou pode ser que aumentou muito mesmo, como resultado das revoluções industriais, tecnologias e a digital. Mudamos a forma como vivemos e nos relacionamos neste mundo, que por sua vez está a beira do colapso ambiental, e isso também pode ter algo a ver com as alterações genéticas das nossas crianças, não é mesmo?
Tem muita gente buscando entender por que o número de autistas aumentou tanto.
E como a nossa sociedade vai se organizar para garantir a qualidade de vida hoje, e a longevidade dessa geração “laudada”.
Mas o fato é que eles existem, e não vão a lugar nenhum. Nem eles, nem nós.
(*) ALINE COÊLHO é mãe de autista e jornalista em Cuiabá.
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br
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kleber 05/04/2025
Que texto maravilhoso, cheio de verdade e de vida real. Concluo a leitura comovido e muito impactado por suas palavras, Aline. Que sorte a do seu filho de ter uma mãe como vc! E que sorte a sua de ter um menino que lhe faça ampliar sua capacidade de amar - e a nossa. Grato por me causar tanta emoção de amor.
Luana 04/04/2025
Perfeito!
José Marcilio 03/04/2025
Parabéns pelo artigo
Lucas Badan 03/04/2025
Parabéns pela ótima matéria Aline , realmente ser pais de autistas não é uma tarefa fácil , principalmente na questão financeira e na falta de conhecimento e apoio do poder público em evoluir na ajuda as famílias que tanto precisam . ????????????????????????
4 comentários