Política é construção. E como toda construção, só se sustenta com base sólida. Mas em tempos de instantaneidade, onde discursos nascem e morrem em 24 horas, muitos esqueceram esse detalhe estrutural: não existe reputação sem trajetória. E sem reputação verdadeira, a confiança pública desaba.
Parece básico — e é. Mas o óbvio, na política, costuma ser o primeiro a ser ignorado quando o marketing entra em cena.
Por isso, vale desenhar esse mapa com clareza: Trajetória gera reputação. Reputação gera confiança. Confiança sustenta o poder legítimo.
Quebrar essa sequência significa escolher o atalho do aplauso fácil — e o abismo do descrédito inevitável.
A ilusão do marketing que tenta encurtar a estrada
Vivemos rodeados por consultores de imagem, estrategistas digitais, analistas de comportamento eleitoral. Todos — ou quase todos — vendendo o mesmo produto: atalhos.
A promessa é tentadora: construa reputação em poucos meses, crie imagem positiva com slogans, viralize autenticidade em vídeos roteirizados, conquiste confiança sem precisar trilhar o caminho da coerência.
Só que reputação não se terceiriza. Ela nasce da trajetória, das escolhas feitas — especialmente daquelas que o marketing não consegue maquiar.
E a confiança? Essa é consequência, não produto. Ela floresce quando o que se vê do lado de fora bate com o que se faz do lado de dentro. Quando o discurso encontra o comportamento.
Trajetória: a linha que sustenta o discurso
Política é, essencialmente, um percurso. Cada fala, cada projeto, cada decisão, compõe a trajetória pública de uma liderança ou instituição.
Não se constrói reputação verdadeira com feitos isolados. É preciso consistência. E consistência, por definição, exige tempo, escolhas repetidas e direção clara.
A trajetória política é a linha que conecta os pontos:
✔ O que você defendeu no passado?
✔ Como agiu diante de crises?
✔ O que priorizou quando teve poder?
✔ Quais alianças formou — e por quê?
É a soma dessas respostas que desenha a reputação percebida pelo público. Sem trajetória coerente, o discurso vira espuma. A imagem pública vira produto descartável.
Reputação: o desenho que o outro enxerga
Dizem que reputação é o que falam de você quando não está presente. Eu acrescentaria: reputação é o que permanece quando o marketing sai de cena e a realidade entra.
A reputação é construída na intersecção entre o que se vive e o que se comunica. Não adianta ter a trajetória certa, mas escondida. Não adianta ter marketing forte, mas trajetória incoerente.
Quando a trajetória encontra a comunicação legítima, nasce a reputação sólida. E reputação sólida resiste a crises, supera ataques e diferencia líderes de personagens oportunistas.
Veja, por exemplo, figuras como Fernando Henrique Cardoso ou Angela Merkel. Em campos políticos distintos, ambos atravessaram décadas, crises, contradições — mas sustentaram reputação baseada em trajetórias reconhecíveis.
O eleitorado pode discordar de suas posições, mas sabe quem são. Reconhece a coerência de suas histórias. E esse reconhecimento gera uma base reputacional que não se constrói da noite para o dia.
Confiança: o laço emocional que decide o futuro político
Confiança não se exige — se conquista. E se perde em segundos, quando o discurso trai a trajetória ou a reputação é desmentida pelos fatos.
Na política, confiança pública é o bem mais frágil e, ao mesmo tempo, o mais decisivo. Sem confiança, não se governa. Sem confiança, não se atravessa escândalo, não se aprova agenda, não se sobrevive ao desgaste do poder.
A confiança nasce da percepção de legitimidade: o público acredita que o líder ou a instituição têm compromisso real com o que dizem defender.
E essa percepção só se sustenta quando:
✔ A trajetória é coerente;
✔ A reputação é reconhecida como verdadeira;
✔ O comportamento confirma o discurso.
Quebrar qualquer elo dessa cadeia e a confiança pública se desfaz — junto com o capital político acumulado.
Por que políticos ignoram o tripé — e o preço que pagam por isso
É compreensível a ansiedade de encurtar o caminho. Campanhas são caras, mandatos são curtos, o ambiente informacional é caótico.
Mas a ilusão do atalho cobra caro. Políticos que tentam fabricar reputação ignorando a trajetória acabam vítimas do próprio enredo:
✔ São desmascarados rapidamente;
✔ Perdem a confiança do eleitorado;
✔ Viram reféns de marqueteiros e crises sucessivas;
✔ Quando caem, caem sem base de sustentação.
O caso clássico? Personagens que surgem como “novidade”, ganham eleições surfando em slogans fáceis e desaparecem no primeiro escândalo, porque não têm trajetória que os ampare nem reputação que os defenda.
É a velha diferença entre líder e oportunista: o líder tem lastro. O oportunista tem marketing — e prazo de validade curto.
Trajetória, reputação e confiança: um pacto inegociável
Para quem quer sobreviver na política — e, mais ainda, construir legado — o tripé é inegociável.
✔ Trajetória coerente: decisões, alianças e posturas consistentes ao longo do tempo.
✔ Reputação reconhecível: imagem pública que reflete, de fato, a trajetória.
✔ Confiança conquistada: vínculo emocional e político com o público, que permite atravessar crises.
Esse tripé não se improvisa, não se terceiriza, não se encurta. E quem tenta pular etapas geralmente descobre, da pior forma, que reputação falsa desaba — e confiança traída raramente se reconquista.
Conclusão: a pressa destrói, a coerência sustenta
A política moderna é acelerada, mas a construção do que realmente importa continua seguindo o velho compasso do tempo. Não existe reputação legítima sem trajetória consistente. Não existe confiança sustentável sem reputação verdadeira. A diferença entre permanecer e desaparecer está justamente aí:
✔ Quem planta coerência, colhe reputação sólida.
✔ Quem cultiva reputação sólida, constrói confiança pública.
✔ Quem tem confiança pública, atravessa crises, renova mandatos e deixa legado.
O resto? É barulho de campanha, espuma de rede social e ilusão que vira pó na primeira ventania institucional. Política é para quem entende que construir leva tempo — e que os atalhos, cedo ou tarde, cobram o preço da superficialidade. Trajetória, reputação e confiança não são moda — são alicerce. E só quem constrói alicerce atravessa o tempo com dignidade e poder legítimo. Quem tem pressa, normalmente, já começou a cair — só ainda não percebeu.
(*) NILSON HASHIZUMI Estrategista de marketing político e corporativo, jornalista, fotógrafo, gestor de cultura e preparador de candidatos, grupos e agremiações políticas, com MBA em Comunicação Governamental e Marketing Político. Co-fundador da Alcateia Política, orientou, coordenou e defendeu candidatos majoritários em São Paulo e Pará e candidatos proporcionais em São Paulo e Minas Gerais. Orientado a resultados, trabalha com visão de processos na gestão da comunicação on e off-line para a construção de reputação, imagem e formação de opinião. Atuou por mais de 30 anos na iniciativa privada, organizações da sociedade civil e entidades de classe antes de atuar em favor de entes políticos. Associado ao CAMP.
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