Hoje, 12 de novembro, comemora-se o ‘Dia do Pantanal’. Enquanto o mundo discute carbono em conferências climáticas, o Pantanal queima, apesar dos números de 2025 serem menos desesperadores que de anos anteriores. E há algo que me incomoda profundamente nessa distância entre as palavras e a realidade vivida por quem está na linha de frente da crise. As métricas globais nos “confortam”, enquanto registram colapsos que nenhum gráfico consegue conter.
Números bem-comportados em relatórios internacionais, dados que "indicam progresso", enquanto a temperatura sobe, os aquíferos secam e as abelhas desaparecem na fumaça. Esse conforto das métricas é ilusório, quase cruel: transforma a morte em planilha, a urgência em tendência a monitorar. Frequentemente ignoramos a sabedoria daqueles que conhecem a terra não por dados, mas por gerações de convivência com ela. Precisamos de soluções que nasçam dessa escuta genuína, descentralizadas e enraizadas na experiência de quem vive a urgência todos os dias.
O Pantanal não é apenas um bioma. É o coração das águas da América Latina. Um pulso que mantém viva toda uma região. Quando o Pantanal sofre, a América Latina inteira sente o baque.
Em 2024, o Pantanal enfrentou uma de suas piores secas. Milhões de hectares queimados. Cicatrizes de fogo irreparáveis no bioma. O rio Paraguai caiu de 2,74 m (2023) para 1,16 m (2024). Quarenta e sete espécies ameaçadas de extinção, comunidades ribeirinhas perdendo tudo, economia regional em colapso. Mas como isso é comunicado globalmente? “Emissões de CO₂ aumentaram 0,5%”. Abstrato. Irrelevante. Inútil.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecem metas ambiciosas. Mas nossas soluções são, na maioria dos casos, centralizadas, lentas e desconectadas da realidade. Governos fazem acordos. Corporações publicam relatórios ESG. Ativistas protestam. Nada muda na velocidade necessária porque tratamos um problema de comportamento coletivo como se fosse um problema de engenharia.
Enquanto fingimos buscar soluções, o Pantanal já as possui. A natureza mostra, mas é necessário ter olhos para ver. Um exemplo são as abelhas. Abelhas não têm CEO. Elas já nascem com pensamento de colmeia. Cada uma toma decisões locais baseadas em informações compartilhadas, resultando em eficiência máxima com resiliência total.
Há séculos, comunidades pantaneiras desenvolveram sistemas descentralizados de adaptação: manejo da água em ciclos de cheia e seca, agricultura regenerativa sincronizada com o bioma, redes comunitárias de proteção. Mas políticas centralizadas de “desenvolvimento” destruíram esses sistemas. A agropecuária industrial substituiu o manejo tradicional. Resultado: o Pantanal queimou.
A solução? Restaurar, não inventar. Cooperativas de produção agroecológica no Mato Grosso crescem 15% ao ano, com maior resiliência em secas. Painéis solares descentralizados em propriedades rurais, e não hidrelétricas gigantes. Financiamento para produtores que adotam práticas regenerativas, e não somente subsídios para o agronegócio industrial.
O Pantanal grita há anos. Poucos ouvem. A comunicação climática falha porque é abstrata: “Pantanal enfrenta mudança climática”. “As ODS estabelecem meta de 45% até 2030”.
Há um mito perigoso de que precisamos de heróis. Um governo que muda tudo. Uma corporação que investe bilhões. Um ativista que inspira multidões.
No Pantanal, não há heróis. Há “enxames”. Comunidades que escolhem suas próprias soluções mantêm o compromisso por anos. Comunidades forçadas a adotar políticas as abandonam na primeira oportunidade. Comunidades indígenas que usam conhecimento tradicional têm 40% menos perdas em secas. Brigadas comunitárias de combate a incêndios salvaram 40% mais vidas do que brigadas governamentais em 2024.
Exemplos pelo mundo não faltam. Cooperativas de produção regenerativa compartilham conhecimento, recursos e riscos. Turismo comunitário gera renda sem destruir. Comunidades com estruturas descentralizadas têm três vezes mais resiliência em crises climáticas.
Alguém pode dizer que isso é lento e que precisamos de ação centralizada rápida. Verdade. Mas ação centralizada imposta tem baixa adesão. Enquanto isso, comunidades que escolhem suas soluções mantêm a firmeza em seus compromissos e seus propósitos.
Para governos: financiamento descentralizado para comunidades. Reconhecimento de direitos territoriais indígenas (terras indígenas têm mais de 90% de floresta intacta). Investimento em infraestrutura descentralizada.
Para comunidades: organizar-se em cooperativas. Documentar a sabedoria tradicional. Participar de redes de monitoramento.
Para o mundo: reconhecer que a crise não se resolve com métricas distantes. São 8 bilhões de realidades locais, cada uma com sua própria urgência e conhecimento acumulado. Aprender com o Pantanal significa honrar o que ele oferece - regulação climática, biodiversidade, água - e reconhecer que esses bens têm valor e merecem ser compensados.
Se você vive no Pantanal, organize-se em cooperativa. Participe de rede de monitoramento. Documente a sabedoria tradicional.
Pressione o governo por financiamento descentralizado.
Se você vive fora, aprenda com comunidades pantaneiras. Apoie organizações que fortalecem iniciativas locais. Pressione seu governo por políticas que descentralizam poder.
Se você é formulador de políticas, pare de impor soluções. Comece a financiar soluções locais. Reconheça direitos territoriais indígenas. Meça o sucesso pela resiliência comunitária.
As ODS não fracassam porque faltam metas. Fracassam porque faltam enxames fortes. O Pantanal é um dos maiores exemplos de resiliência climática que temos. Não precisa de salvadores externos. Precisa que o mundo OUÇA, APRENDA e FORTALEÇA seus enxames.
Porque quando o Pantanal prospera, o planeta prospera. E o pensamento de colmeia - descentralizado, ativo, coletivo - é, talvez, o caminho que precisamos urgentemente trilhar.
O exemplo das abelhas é antigo. Polinizar essa mudança depende de nós. O zumbido que vem do Pantanal é um chamado.
Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça!
(*) ROBERTO RIBEIRO é biólogo, pesquisador, meliponicultor e especialista em ecologia, biodiversidade e abelhas nativas.
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