No período em que fazia o mestrado em História na Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, em 2002, durante os intervalos das aulas, eu sempre conversava com o professor historiador Carlos Rosa. Vivia especulando sobre vários assuntos na história de Cuiabá e de Mato Grosso. Durante essas conversas, ele sempre me contava casos sobre a Maria Eugênia. Fiquei curiosa.
Com o passar do tempo, eu sempre que posso venho procurando essa Maria Eugênia desde o ano de 2002, em vários documentos, os quais tenho a oportunidade em manusear. Agora achei em uma memória escrita pelo próprio Carlos Rosa, alguns vestígios sobre a Maria Eugênia.
Maria Eugênia era uma negra crioula e forra. Foi encontrada na cadeia de Cuiabá presa. Sua sentença: ter a língua solta, ácida em suas críticas. Imagine em 1778, uma mulher no espaço urbano de Cuiabá ter a coragem de criticar algo ou alguém. Corajosa essa Maria Eugênia! Hoje, tantas coisas são ditas e são chamadas de fofocas, fofoqueiras, linguarudas, e são, de certa forma, toleradas, tudo estampado nas redes sociais. Nada de punição ou prisão.
Maria Eugenia criticava muitas mulheres, no entanto, a sua preferida era a esposa do Mestre de Campo e a do Sargento Mor, àquela época. Eita! Maria Eugênia! Quanta disposição. Quanta coragem! Penso que esses dois não eram flor de cheirar. Deveriam deixar escapar as suas puladas de cercas.
Tudo isso porque na sociedade colonial mato-grossense da época, não era comum esse comportamento público do livre pensar. Maria Eugenia já possuía esse livre pensar. Naquela época era comum os bilhetinhos difamatórios anônimos, às vezes em formas poéticas e caricaturas, por meio de pseudônimos, os quais movimentavam a Vila sem identificação dos autores. Maria Eugênia preferia exercitar a sua língua por meio da fala pública. Criticava o comportamento das autoridades sem dó e sem piedade. Por isso foi presa e ameaçada de deportação pelo vigário da época.
“ Analfabeta, Maria Eugênia não produzia textos, versos, bilhetes, caricaturas, poemas, falava publicamente o que via e o que pensava sobre o que via”. O seu comportamento ameaçava as autoridades e as esposas dos mesmos, naquela época. A prática de Maria Eugênia ameaçava, no limite, a própria imagem social das autoridades. Hoje a internet está lotada desse tipo de informação e as redes sociais espalham as informações verdadeiras e falsas a todo vapor. E a punição!
Na semana passada, vídeos de prefeitos municipais de vários municípios do Brasil, na farra em boates, de Brasília estampava as redes sociais o comportamento dos mesmos. Muitas esposas devem ter ficado incomodadas. Maria Eugênia era a rede social de Cuiabá colonial. Por meio da sua língua tecia os comentários dos homens e mulheres da sociedade da época. A sua liberdade de expressão foi punida com a prisão. Hoje, pelo menos essas mulheres podem expor o seu pensamento. Muitas vezes criticadas, muitas vezes silenciadas.
Em seus estudos, o professor Carlos Rosa encontrou registro na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, em Cuiabá, a existência de uma Maria Eugênia de Jesus, forra, analfabeta, falecida em 27 de maio de 1783. Homônima? É pouco provável. Eis aqui um belo objeto de pesquisa aos alunos de história. Estudos nessa direção podem ser feitos, essencial à constituição da própria história da nossa cidade. Mãos à obra.
(*) NEILA BARRETO é jornalista, historiadora e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.
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