A maioria dos políticos deseja “bombar” na internet: a obsessão por curtidas cresce a cada dia e, não raro, confunde-se visibilidade com capacidade efetiva de converter atenção em voto. Esse fenômeno não é apenas resultado do comportamento individual de alguns parlamentares; deriva de um ambiente comunicacional profundamente moldado pelos algoritmos, que premiam o choque, a emoção e a performatividade.
Guy Debord já antecipava esse movimento em 1967 ao argumentar que a política, nas sociedades modernas, se transforma em performance. As relações públicas passam a ser mediadas por imagens, e a visibilidade se torna um fim em si mesmo. O espetáculo, nesse sentido, não é mero entretenimento, mas uma forma de organizar a vida pública pela aparência e pelo impacto. As redes sociais apenas amplificam essa lógica, tornando-a permanente e acelerada.
Os dois episódios recentes no Paraná, a declaração do deputado Renato Freitas, que assumiu publicamente ser “maconheiro” ao defender a regulamentação do plantio de cannabis por ex-presos, e o vídeo do vereador Guilherme Kilter expondo um morador de rua para produzir conteúdo político, ilustram de forma contundente como a lógica da performatividade domina o ambiente digital.
Embora partam de campos ideológicos distintos, ambos recorrem a gestos calculados para gerar impacto imediato, provocar reações emocionais e ocupar espaço no fluxo algorítmico de atenção. Mais do que informar ou qualificar o debate, tais ações operam como dispositivos de visibilidade, reforçando a dinâmica descrita por Debord em que a política se converte em espetáculo. Esses casos evidenciam que a busca por viralização, seja pela via da polêmica moral, seja pela exposição sensacionalista, substitui o diálogo substantivo sobre temas complexos e contribui para o esvaziamento do debate democrático.
Mas o resultado das urnas vem mostrando que essa linguagem funciona até certo ponto. Garante visibilidade e reforça identidades, mas não necessariamente produz voto.
A direita populista, no Brasil e no mundo, adaptou-se mais rapidamente à lógica da viralização com mensagens simples, morais e emocionalmente carregadas, exatamente o que o algoritmo privilegia. A esquerda avança, mas ainda opera com linguagem mais técnica e institucional, menos compatível com a dinâmica das plataformas. Focam mais nas coisas reposições, nas propostas Em meio a isso, o debate propositivo perde espaço: propostas não viralizam espontaneamente, exigem narrativa, clareza e concretude para competir em um ambiente saturado pela estética do imediatismo.
O eleitor percebe esse movimento de maneiras distintas. Parte vê entretenimento; outra grupo lê como autenticidade; muitos expressam cansaço e percebem empobrecimento do debate. Em grande medida, conteúdos performativos funcionam como mecanismo de validação identitária, confirmando crenças prévias exatamente a dinâmica que Debord identificou nos anos 1960.
Enquanto a política permanecer capturada pela lógica do espetáculo, discussões profundas sobre os problemas reais da população serão cada vez mais raras. O desafio contemporâneo é repolitizar a política, recuperar o valor do diálogo, da escuta, da dúvida e do contraditório. Não se trata de rejeitar as redes, mas de disputar seu uso de forma qualificada.
Afinal, a democracia não se sustenta em likes, e sim em debate público consistente.
(*) VANESSA MARQUES é Jornalista, professora e palestrante. Mestre em Comunicação pela Universidade de Valência (Espanha) e pós-graduada em Economia e Ciência Política. Atua há 20 anos na comunicação política, sendo 13 anos na Câmara dos Deputados.
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br
Clique aqui e faça parte no nosso grupo para receber as últimas do HiperNoticias.
Clique aqui e faça parte do nosso grupo no Telegram.
Siga-nos no TWITTER ; INSTAGRAM e FACEBOOK e acompanhe as notícias em primeira mão.




