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Artigos Quinta-feira, 31 de Julho de 2025, 13:58 - A | A

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Quinta-feira, 31 de Julho de 2025, 13h:58 - A | A

SIMONE ISHIZUKA

“Ele era legal, né?”: a face invisível da violência contra a mulher em Cuiabá

SIMONE ISHIZUKA

Mato Grosso lidera, pelo segundo ano consecutivo, o ranking nacional de feminicídios. Os dados, que constam no Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado recentemente, não apenas nos chocam, mas nos envergonham. É o tipo de estatística que carrega sangue, dor e silêncio.

Não é apenas um número: é a prova de que seguimos falhando como sociedade.

Em casos extremos de feminicídio (ou tentativa), como o mais comentado na atualidade, em que uma mulher levou 60 socos do namorado em um elevador no Rio Grande do Norte (RN), são apenas o ápice de uma estrutura profundamente enraizada.

Já violência contra a mulher em Cuiabá (cidade em que vivi por anos e construí laços profundos), por exemplo, também se manifesta de formas tão sutis quanto brutais. E, diversas vezes, quem perpetua essa violência não é um estranho em uma rua escura. É alguém querido, conhecido e até admirado.

Lembro bem das primeiras denúncias contra o fotógrafo denunciado novamente este ano, por uma série de abusos cometidos contra ex-companheiras. Ele era figura presente no meio da comunicação, cercado de pessoas engajadas, defensor de causas progressistas.

Eu mesma era próxima. Convivi, conversei, dei risada. Assim como muitos que o conheciam, fiquei incrédula ao saber dos casos.

Lembro bem da angústia interna de não querer acreditar. De pensar que “não podia ser”.

Mas era.

Durante o movimento #meuamigosecreto, em 2014, surgiu uma postagem mais ou menos como: “um fotógrafo gente boa que bate nas namoradas”. A legenda seguia com a hashtag e um comentário: “meu ex-namorado”. Na hora, tudo fez sentido. A ficha caiu com força.

E me afastei.

Tirando o fato que o exposed veio muitos anos depois, o que mais me assusta nisso tudo, é ainda ver como tantos homens se escondem atrás de discursos bonitos, cercados de amigos engajados, e seguem violentando - física, emocional e psicologicamente - mulheres ao seu redor.

Em Cuiabá, infelizmente, a violência não acontece só em becos escuros. Ela está nas relações afetivas, travestida de ciúme, controle, manipulação, traição e gaslighting (termo utilizado para forma de abuso psicológico em que o abusador distorce a realidade, omitindo informações ou inventando situações para fazer a vítima questionar sua própria percepção, memória e sanidade).

Contudo, não só na capital mato-grossense, mas em tantos outros lugares nesse país e no mundo, ainda é mais aceito uma mulher triste casada do que uma solteira feliz. Cultura perversa que influencia as mulheres a se colocarem em situações vulneráveis como essa, para serem mais ‘aceitas’ em sociedade.

Enquanto isso, diversos homens com essa ‘pele de cordeiro’ se sentem no direito de perpetuar essa cultura de posse misturada com esnobação, traição de confiança, entre tantas outras atitudes equivocadas, que refletem nesse tipo de violência descabida. Tudo isso, girando em torno do desejo das mulheres, sejam elas companheiras ou em início de relacionamento.

Além disso, manipulando situações, utilizando a fragilidade emocional, da dependência afetiva e da culpa como armas para manter um ciclo silencioso de abusos - que à primeira vista parece ‘inofensivo’, mas que acaba se tornando arrebatador com o tempo.

Ciclo ainda que, diversas vezes, só é rompido quando a dor já se tornou insuportável. E que, no fim, a mulher se torna doida, desequilibrada e tantos outros termos injustos, que prejudicam seu emocional, psicológico, afetando até sua vida profissional.

No entanto, a verdade é que a mulher que denuncia não é “louca”. É corajosa. É sobrevivente. Pois é extremamente solitário e doloroso o lugar que ela ocupa, sobretudo quando o agressor insiste em negar tudo e em se colocar como vítima. Quando, mesmo diante de relatos, testemunhos e até boletins de ocorrência, ele ainda se refugia na pose de ‘profissional querido e amigo dos amigos’ - e isso não se resume apenas ao fotógrafo citado anteriormente.

Nesse prisma, a reflexão urgente que fica é repensar as relações que cultivamos, olhando com mais atenção para os comportamentos que normalizamos. Porque o verdadeiro perigo nem sempre está no desconhecido. Às vezes, está do seu lado, no homem sorridente, profissional, que todos consideram “gente boa”.

E essa é a pergunta que não me sai da cabeça desde então: até quando?
Até quando vamos ignorar os sinais?
Até quando vamos nos calar diante de histórias que se repetem?
Até quando vamos permitir que a violência seja normalizada em nome de uma reputação, de um afeto antigo ou de uma falsa imagem de bom moço?

Não dá mais para esperar. Porque enquanto hesitamos, continuamos morrendo e sendo violentadas a cada dia.

(*) SIMONE ISHIZUKA (Sika) é jornalista e artista visual.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

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