Quinta-feira, 13 de Novembro de 2025
facebook001.png instagram001.png twitter001.png youtube001.png whatsapp001.png
dolar R$ 5,36
euro R$ 6,23
libra R$ 6,23

00:00:00

image
facebook001.png instagram001.png twitter001.png youtube001.png whatsapp001.png

00:00:00

image
dolar R$ 5,36
euro R$ 6,23
libra R$ 6,23

Variedades Quinta-feira, 13 de Novembro de 2025, 11:15 - A | A

facebook instagram twitter youtube whatsapp

Quinta-feira, 13 de Novembro de 2025, 11h:15 - A | A

"DEFESA DA HONRA"

Série 'Ângela Diniz' relembra feminicídio que levou a vítima ao banco dos réus

Dirigida por Andrucha Waddington e estrelada por Marjorie Estiano, série mostra a história da socialite morta por Doca Street e o impacto do caso na luta contra a violência de gênero

CONTEÚDO ESTADÃO
da Redação

No dia 30 de dezembro de 1976, a socialite Ângela Diniz foi assassinada por seu então namorado, Raul Fernando do Amaral Street, o Doca, com três tiros no rosto e um na nuca. O crime que ocorreu na Praia dos Ossos, em Armação de Búzios, Rio de Janeiro, deixou a sociedade perplexa.

Prestes a completar 32 anos e desquitada, Ângela foi julgada três anos após sua morte, quando o advogado Evandro Lins e Silva, responsável pela defesa de Doca, jogou toda a responsabilidade do crime sobre a vítima. Enquanto o assassinato foi justificado com a tese de "legítima defesa da honra", ela foi referida como uma "mulher fatal, libertina e depravada". O crime foi descrito como "um gesto de desespero de um homem ofendido em sua dignidade".

Resgatado com êxito em 2020 pelo Praia dos Ossos, da Rádio Novelo, o caso da "Pantera de Minas" chega agora ao streaming com a série Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, que estreia nesta quinta-feira, 13, na HBO Max. Dirigida por Andrucha Waddington e estrelada por Marjorie Estiano, a atração é uma adaptação direta do podcast, e revisita a vida da socialite, seu assassinato e os dois julgamentos de Doca, que culminaram no movimento "quem ama não mata".

Desde as primeiras cenas da série, que terá ao todo seis episódios, a sensualidade e a complexidade de Ângela jamais são omitidas. Sua decisão de se separar do então marido, Milton Villas Boas (Thelmo Fernandes), custou a guarda de seus três filhos e a levou a se mudar de Minas Gerais para o Rio de Janeiro. A mudança ocorreu após o assassinato do caseiro José Avelino dos Santos, vulgo Zé Pretinho, pelo milionário Arthur Vale Mendes, o Tuca (Joaquim Lopes), de quem a socialite era amante. Até hoje, as circunstâncias exatas da morte não foram totalmente esclarecidas.

Adaptação do podcast em série

Embora o sucesso do podcast apresentado e idealizado por Branca Vianna tenha vindo em 2020, os direitos de adaptação foram adquiridos pela Conspiração Filmes antes de sua estreia. Em se tratando dos desafios de se transpor um material vasto em documentação histórica para a ficção, a ordem é fazer escolhas e sacrifícios.

"Daria para a gente fazer uma série de 12 episódios, mas optamos por um recorte. Ficamos tentados a começar no baile de debutante dela, mas escolhemos ir da separação do Milton até o assassinato", explica Andrucha em entrevista ao Estadão, admitindo que foi surpreendido pelos poucos registros, em foto ou vídeo, de Ângela. "A única coisa que a gente tinha, de fato, de documentação filmada da época era o julgamento, em que ela não estava e foi colocada no banco dos réus. Encontramos um único comercial de cartão de crédito que tinha ela falando."

A reconstituição do período, da vida de Ângela aos meios nos quais circulava, foi feita com base na pesquisa do podcast, cedida à série pela Rádio Novelo - o que a equipe considera um diferencial. "Eles foram atrás do depoimento das mulheres, que não foram ouvidas há 49 anos. Por isso a existência dessas amigas na série, dessa rede de mulheres que construímos e veio do recorte do podcast Praia dos Ossos, que explica como essas mulheres fizeram parte da vida dela e foram importantes", contextualiza a produtora Renata Brandão, da Conspiração.

Esta espécie de rede de apoio feminina é revelada sobretudo quando Ângela se muda para o Rio de Janeiro. Ela passa um tempo na casa de uma amiga, a feminista Gilda Rabelo (Renata Gaspar), e em suas idas à praia conhece outras figuras da elite carioca, como Lulu Prado (Camila Márdila) e Marion Laplace (Tóia Ferraz). "Isso é uma parte que a gente precisou ficcionalizar para a adaptação. Juntamos alguns perfis de amigas em alguns personagens, porque não dava para retratar todo mundo", justifica Brandão.

O mesmo acontece com a filha; embora na realidade tenha tido três filhos, na série Ângela é mãe apenas de Mariana (Maria Volpe). "A história não era sobre os filhos dela, então a gente quis preservar a família e se ater a contar a história da Ângela, o que aconteceu com ela e o circo que foi formado em torno dela", justifica Andrucha.

A 'Pantera de Minas'

Para Marjorie, parte do mérito da série ao jogar luz sobre o crime e o absurdo de seus desdobramentos é a determinação de abraçar as contradições de Ângela em sua totalidade. "O roteiro já a apresenta em diversos momentos da vida, e oferece essa diversidade de fases para testemunhar Ângela em sua complexidade. A gente a vê com a filha, no conflito e no afeto com a mãe, com o marido pós-separação, transando, indo a festas", elenca. "Mas a gente também a vê no interior da casa dela, no sofá, arrasada com a perda da guarda da filha e com os impedimentos."

A atriz explica que houve muita conversa com os roteiristas, Elena Soárez, Pedro Perazzo e Thais Tavares, sobre a condução da narrativa, de modo a não idealizar nem romantizar a socialite. "Dividimos muito as escolhas e pensamos muito sobre cada cena, cada palavra", pontua. Da mesma forma, houve diálogos com a equipe de fotografia, e o diretor Fernando Young. "Os enquadramentos, tudo era muito discutido, justamente para não dar nenhum álibi e também não reduzir a personagem, e tentar retratá-la na sua complexidade mesmo."

Ao longo dos episódios, o relacionamento com Doca - que durou de agosto a dezembro de 1976 - não é abordado como o epicentro da vida da socialite. Há uma multiplicidade de figuras e sentimentos que orbitam ao seu redor, e a possibilidade de viver tais momentos também é um ganho para Marjorie como atriz.

"Sou muito grata ao Andrucha pela oportunidade incrível", declara. O diretor convidou a atriz para atuar no projeto ainda em 2019. "Eu não sabia quem era Ângela, mas já havia aceitado porque sou muito fã de Waddington e faria qualquer coisa com ele. Depois de conhecê-la, vi a oportunidade de habitar uma pele tão distinta, não só dos personagens que eu fiz, mas dos personagens que vejo." Aos 43 anos, a atriz acredita que a série oferece um olhar raramente visto na ficção em histórias de mulheres - o que, para ela, também configurou um aprendizado.

"É um universo feminino muito pouco explorado, e geralmente é muito estereotipado mesmo", critica. "A mulher sensual, a mulher mãe, são únicas. Ou você é 'assim', ou você é 'assado', e a Ângela era tudo. Para mim, foi uma oportunidade de viver essa experiência por esse viés, especialmente da liberdade e do conforto com a sua sexualidade, que talvez eu não tivesse tanta consciência da minha própria", admite. "Eu sentia um prazer em compreender certas coisas, e achar uma resposta para determinados movimentos, atitudes que temos mas não sabemos explicar por que. Foi um processo de livramento."

Essa mesma preocupação de trazer a multiplicidade de sensações para o personagem atingiu Yara de Novaes, que vive Maria Diniz, mãe de Ângela. A atriz que foi destaque no ano passado no filme Malu conta que uma imagem específica da matriarca a fez compreendê-la por inteiro.

"A minha vontade era que essa mãe fosse realmente a Maria Diniz. Que teve essa filha, sonhou determinadas coisas para ela, que morou em Belo Horizonte naquela época, que era ótima costureira, que fumava", lista. A atriz, que também é de BH, conseguiu acesso a algumas fotografias que considerou cruciais. Uma delas mostrava a mulher no momento em que o corpo da filha era colocado no túmulo.

"A Ângela está sendo colocada dentro do buraco ali no cemitério e a Maria está com um casaco de pele, de tigresa ou de onça sobre os ombros, trazendo consigo a filha", descreve. "Isso foi uma imagem muito impactante. Ela está chorando, desarvorada, e ao mesmo tempo carregando a filha consigo."

A 'legítima defesa da honra'

A tese que deu a Doca Street uma pena de dois anos de prisão no julgamento de 1979, que ele sequer cumpriu, foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) apenas em 2023. A ideia é de que a vítima teria dado causa ao comportamento do réu por ferir a honra dele com sua conduta - fosse com traição, não aceitação de um relacionamento ou qualquer ação considerada reprovável.

Embora não estivesse prevista em lei, a tese foi muito usada no Brasil para defender homens que mataram mulheres por ciúmes ou raiva, e partia do preceito da legítima defesa, prevista no Código Penal. E mesmo derrubada, os índices de feminicídio registraram o maior número de casos em série histórica segundo o último Mapa da Segurança Pública, divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em junho deste ano: quatro mulheres são mortas por dia no País em contextos de violência doméstica, familiar ou por menosprezo e discriminação.

Neste sentido, Emilio Dantas, que interpreta o playboy e réu confesso Doca, diz que não há outra forma de abordar a construção do seu personagem a não ser simplificando-o. "É deixar só o que importa para que a história da Ângela seja contada. O tempo que eles ficaram juntos foi de apenas três meses, e são somente esses três meses do Doca que importam, tanto para Ângela quanto para o público", diz. "Era vazio mesmo. Ele era cheio de códigos sociais, códigos morais e privilégios, mas quanto à profundidade do ser humano Doca Street, não precisamos encostar nela."

Para Andrucha, trazer o crime à tona sem focar objetivamente no assassinato é uma oportunidade de transpor o debate da violência contra a mulher para o contexto do século 21, e convidar os homens a participarem da conversa. "A gente vê a série como algo muito contemporâneo, apesar de ser uma história que aconteceu há quase 50 anos. E me sinto confortável, como homem, de dirigir a série, porque é um debate que precisa envolver os homens também, e estou cercado de mulheres maravilhosas. Temos que nos posicionar."

O diretor explica que foi uma escolha editorial não focar no momento do crime - uma forma de evitar uma banalização sobre uma história que já foi tão midiática. "A espetacularização a gente deixa para o sexto episódio", pontua, referindo-se ao julgamento, televisionado, de Doca. "Foi um circo montado em um julgamento, e ao qual tivemos acesso às imagens para reproduzir."

A produtora Renata Rezende, diretora de produção da Warner Bros. Discovery, considera um acerto escolher um ângulo que coloca em primeiro plano a história da vítima. "Se a gente espetacularizasse dando um protagonismo para o Doca, as discussões que estamos tendo agora seriam absolutamente outras", afirma. "O propósito da série é acompanhar essa mulher e discutir a sociedade na qual estava inserida, discutir a defesa que a imprensa e a Justiça da época fizeram, o acobertamento da situação. O que estamos procurando é bem diferente."

A Ângela Diniz de 2025
Uma das características mais evidentes e inconfundíveis da história de Ângela Diniz é o fato de ela se passar em um universo essencialmente elitista. Ângela, seus amigos, familiares, amores e conhecidos eram membros da alta sociedade da década de 1970 - um ambiente que, mesmo libertário, não era isento de preconceitos.

Isso se reflete na forma como a série faz o delineamento dos personagens, e propõe também uma reflexão sobre o quanto dessas características ainda existem no presente."

"A Lulu, por exemplo, habita o universo de socialite carioca, usufrui de uma liberdade de ir e vir sem ter qualquer consciência da posição dela como mulher", explica Camila Márdila. "No arco dramático, ela passa a ter consciência a partir do assassinato da amiga e a relação que passa a ter com a Gilda."

A atriz continua: "Acho curioso que os anos 70 são uma efervescência cultural iluminada e têm também essa coisa carioca, em que parece que tudo sempre pode, porém não. O Rio de Janeiro tem uma herança de corte em que se vê muita hipocrisia envolvida nesses status que são da permissão, mas na minha família não. Os códigos sociais estão ali escondidos. Quando falamos em machismo estrutural, essa coisa do estrutural está na base cultural mesmo, porque a gente absorve todos os detalhes."

Thiago Lacerda, que interpreta o colunista Ibrahim Sued - que cunhou o termo Pantera de Minas - acredita que esses mesmos julgamentos que atingiram Ângela continuam existindo hoje.

"Se a gente imaginar que o crime que foi cometido contra a Ângela aconteceu daquela forma, e que naquele tempo foi sugerido ter chamada ao vivo na porta da delegacia, hoje a gente está vendo crimes contra as mulheres acontecerem ao vivo em rede social", compara o ator. "O papel da mídia como metáfora, no catalisador que foi a história de Ângela, hoje transpomos para outra linguagem. O cerne da questão permanece, transformado para outro tempo. Todos nós temos muita responsabilidade no aprendizado de lidar com a natureza da qual fazemos parte."

Já Renata Gaspar - que define sua Gilda como "um movimento feminista andando pela série" - chama a atenção para o fato de a mídia, atualmente, mais do que nunca não estar restrita aos grandes meios de comunicação, o que para ela traz pontos positivos e negativos.

"Por um lado, ninguém ficava sabendo de tudo o que acontecia só entre quatro paredes. Agora, há a possibilidade de a mulher, quando consegue, gravar e de alguma maneira expor isso. Isso vira mídia e repercute. Por outro lado, a Ângela hoje se postando seria muito julgada. Ela seria massacrada, talvez", opina, ecoando uma reflexão feita por Emilio Dantas.

"Ela seria a mulher que é condenada pela roupa que usou ou pelo nude que posta", completa Camila. "Sinto que o campo da internet hoje em dia replica o que foi aquele circo todo do julgamento. E ainda bota aquele público ali que no julgamento falava te amo, Doca para incitar também."

Mesmo assim, Renata Rezende aposta em sentimentos mistos do público após ver a série. "Ela está representada como uma mulher humana, errante, desejante, absolutamente livre e fiel aos seus desejos. Então, a verdade é que é muito possível que o olhar ainda seja um olhar de julgamento e de condenação."

(Com Agência Estado)

Clique aqui e faça parte no nosso grupo para receber as últimas do HiperNoticias.

Clique aqui e faça parte do nosso grupo no Telegram.

Siga-nos no TWITTER ; INSTAGRAM  e FACEBOOK e acompanhe as notícias em primeira mão.

Comente esta notícia

Algo errado nesta matéria ?

Use este espaço apenas para a comunicação de erros