A Assembleia Legislativa (ALMT) promoveu uma audiência pública nesta semana para discutir as políticas públicas de regularização de quilombos no estado. O evento aconteceu foi uma iniciativa do deputado Valdir Barranco (PT). O debate foi dividido em duas partes, sendo que, pela manhã, aconteceram debates sobre a questão fundiária das comunidades quilombolas que precisam ser identificadas como território.
Além de uma mesa de apresentações, que contou com a participação de representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério Público de Mato Grosso (MPE) e da União (MPU).
A equipe técnica do gabinete parlamentar promoverá uma mesa de debates para ouvir reivindicações e colher dados das comunidades. O objetivo é entender qual é o problema de cada uma delas. Ainda à tarde, na segunda parte, acontecerá oficina de compras públicas promovida pela Conab com o objetivo de regularizar os verdadeiros proprietários das terras.
De acordo com o deputado Valdir Barranco, hoje o grande problema dos territórios quilombolas é a questão da regularização fundiária porque eles precisam ser identificados como território e isso depende do Incra.
“Precisamos dar celeridade na demarcação de terras e também na regularização fundiária dos territórios quilombolas. O Brasil sempre acumulou uma dívida social muito grande com os pretos e pretas desse país. Seus antepassados vieram da África escravizados e mesmo após o fim da escravidão, eles foram negligenciados, não tiveram direito às suas conquistas sociais, não tiveram direito à terra, não tiveram direito à educação”, apontou Barranco.
“Nosso objetivo principal aqui é avançarmos nessa discussão e também sair com encaminhamentos e com uma agenda de compromisso do governo federal para cumprir e sanar essa dívida social. Temos que pactuarmos aqui prazos para que sejam feitas essas vistorias e darmos o documento para essas famílias porque os documentos de territórios quilombolas não são individuais, eles são coletivos”, destacou Barranco.
Ele lembrou ainda que a comunidade Mata Cavalo tem 40 anos e não foi regularizada. Barranco entende que um dos problemas para desemperrar os processos da questão fundiária é a falta de servidores do Incra.
“Temos apenas um antropólogo, que se aposentou, e agora, com o concurso público, Mato Grosso passou a ter três profissionais dessa área e mais 30 pessoas para compor o quadro de funcionários para fazer as vistorias e para produzir os relatórios que são necessários”, apontou ele.
A representante da comunidade de Mata Cavalo, Gonçalina Santana, disse que cerca de 1600 pessoas moram na área e estão “batalhando os documentos há décadas”. O estado possui aproximadamente 11 mil quilombolas.
“Falta vontade política para regularizar nossas terras, porque documentações a gente já tem, várias vezes já teve recurso (financeiro), inclusive agora a gente sabe que tem recurso. Infelizmente há muito discurso, falam que somos prioridade, mas, na prática, não somos”, falou ela.
Gonçalina questionou ainda o porquê das políticas públicas não chegarem às comunidades. “Falta boa vontade política para a regularização fundiária. A gente não tem visto a concretização da titulação do quilombo Mata Cavalo. Isso tem trazido sofrimento para à comunidade, tem trazido baixa autoestima, porque quando a gente vê que nós não somos prioridade, vai deixando a gente desacreditado, com a nossa autoestima lá embaixo, muitas vezes desmotivados de tanto lutar e não ver a concretização”, exemplificou.
A presidente do Instituto Afro Brasileiro, Luciana Magalhães, explicou que desde 2009 estão discutindo a regularização dos quilombolas no estado, mas até hoje não houve resolução.
“Em Mato Grosso, nós ainda não temos nenhuma comunidade quilombola com as terras regularizadas. Tudo é moroso, demorado, passa por várias instâncias. É uma situação conflitante, porque aí a gente não é amparado legalmente, as comunidades vêm sofrendo com invasões em seus territórios, então é toda uma situação de conflito e questão das políticas públicas”, destacou.
“Essa morosidade na documentação impede que as comunidades tenham acesso a todo tipo de políticas públicas básicas, até mesmo na questão social. É um processo que esbarra na burocracia”, revela Luciana.
A falta de documentação foi citada pela presidente do Instituto como o principal problema. “Temos dificuldades em acessar crédito produtivo, dificuldade em acessar financiamento habitacional e, até escola. A construção da nossa escola foi conquistada mediante uma ação judicial”, lembrou.
INCRA
O presidente do Incra em Mato Grosso, Joel Machado de Azevedo, falou que existem no país 58 processos abertos sobre reconhecimento, sendo que dois deles estão com portaria já publicada e o restante em andamento.
“Esses dois estão com portaria publicada. Estamos reestruturando o setor quilombola, e o Incra estará recriando uma divisão para diretoria de quilombola e, consequentemente, um setor específico para a regularização deles”, frisou ele.
“Trata-se de um processo que demora. Com o reconhecimento do Instituto Palmares, vai ser feito o trabalho de antropólogo, depois avaliação e por último a indenização. Então, é um processo um pouco lento. Mas a gente tem retomado com muita responsabilidade esse assunto, que estava parado há muitos anos”, explica ele.
Machado lembrou que o orçamento do órgão tem aumentado nos últimos meses, e acredita que vai conseguir avançar nessa área.
“Temos muitas áreas públicas de quilombolas da União para regularizar, e o orçamento e também os servidores estão muito aquém do que é necessário. A gente está trabalhando para reestruturar isso, mas isso não consegue de um ano para o outro, como ficou muitos anos sendo sucateado, sem orçamento, então agora a retomada é gradativa”, lembrou Machado.
MATO GROSSO
No estado, segundo dados da Fundação Cultural Palmares, existem 69 comunidades “certificadas”, pois todas receberam a “certificação” até 2010, estando as mesmas situadas no perímetro dos municípios de Acorizal, Cuiabá, Chapada dos Guimarães, Barra do Bugres, Porto Estrela, Poconé, Cáceres, Vila Bela da Santíssima Trindade, Nossa Senhora do Livramento, Santo Antônio de Leverger e Várzea Grande.
Vale ressaltar que, no plano econômico, a produção das comunidades quilombolas é significativa, uma vez que suas plantações e criações servem de base para abastecer a própria comunidade e regiões circunvizinhas, sendo que, muitas vezes, chega a ser enviado para outras localidades.
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