Trinta e três anos e já aprovado em uma das mais cobiçadas carreiras jurídicas do Brasil: a de juiz de Direito. Este é o mineiro Pedro Toaiari de Mattos Esterce, desde agosto empossado pelo Tribunal de Justiça, o que lhe faz ser um dos mais jovens magistrados de Mato Grosso.
Nas últimas semanas, atuando como juiz auxiliar da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Várzea Grande, o jovem magistrado fugiu dos padrões habituais do Judiciário, acrescentando em uma das sentenças de sua autoria trechos de canções de rap do grupo Racionais MC's e do rapper MV Bill.
Eduardo Taddeo e Facção Central também tiveram trechos citados, devidamente acompanhados de trechos da lei e jurisprudência para garantir a fundamentação necessária exigida pela Constituição Federal às decisões judiciais.
Em entrevista exclusiva ao HNT, após mais de 10 horas de trabalho, o jovem magistrado explicou seu gosto pelo gênero musical
"São músicas que retratam a realidade de pessoas que eu julgo, que a gente acusa, mas que não conhece. A partir do momento em que assumo a responsabilidade de julgar o meu semelhante, tenho a obrigação de compreendê-lo, ainda que minimamente. É o que o rap me proporciona", explica.
Natural de Juiz de Fora, cidade do interior de Minas Gerais que homenageia o magistrado do tempo colonial, nomeado pela Coroa Portuguesa, para atuar onde não havia Juiz de Direito, Pedro Toaiari de Mattos Esterce é graduado em Direito pelo Instituto Vianna Junior, em sua cidade natal, e é autor do livro de Sociologia "Relatividade - Estabilidade – Procedimento: Para uma nova sociedade".
Confira a íntegra da entrevista:
HNT - Como surgiu a vontade de ingressar na magistratura?
Pedro Toaiari - Desde muito jovem, sempre tive interesse pelo Direito e debater questões da sociedade por meio da Filosofia e Sociologia. O Direito me pareceu um caminho natural para a graduação. A magistratura é uma carreira por excelência do Direito e pensei que poderia me cair muito bem. Gosto muito do que faço, não me vejo ou imagino em outra profissão. Gosto de ler processos até mesmo às 23h. Alguns amigos falam que sou maluco, mas é que me satisfaz e até me diverte.
HNT - Sua família é de operadores tradicionais do Direito como advogados, promotores, juízes...?
Pedro Toaiari - Não! Toda minha família é da iniciativa privada. Na adolescência, eu já imaginava cursar Direito, mas não tinha familiaridade nenhuma. A partir da faculdade, eu passei a intensificar contatos. No terceiro período, eu comecei a estagiar já com a vontade de aprofundar nos estudos e conhecer o máximo de ramos possíveis do Direito.
Não tenho pós-graduação, sempre gostei de estudar à parte. Já tenho artigos publicados e também um livro de Sociologia intitulado “Relatividade e estabilidade no procedimento: conceito de uma nova sociedade”. Sempre estudo muita Filosofia e Sociologia, que são pilares do Direito.
HNT - E como foi este processo de ingressar nos quadros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), estudar para concurso público e ser aprovado para a magistratura tão jovem?
Pedro Toaiari - Quando eu sai da Faculdade de Direito, fui trabalhar na iniciativa privada. Já havia sido aprovado no exame da OAB ainda na graduação. Fui trabalhar como gerente administrativo. Em seguida, fui promovido para uma chefia administrativa. Foi um período em que minha preocupação era juntar dinheiro para, mais à frente, parar de trabalhar e só estudar para conseguir o objetivo de tornar-me juiz. Nesta mesma empresa, eu pedia para advogar e elaborar ações para que fosse contabilizado no meu período de prática. Era muito trabalho jurídico consultivo, mas permitiu impulsionar atos jurisdicionais para cumprir o período exigido para ingressar na magistratura, que são três anos.
HNT - E a aprovação ocorreu logo no primeiro concurso público?
Pedro Toaiari - Não, não! Eu fiz mais de 20 concursos. Fiz quatro concursos para promotor de Justiça para treinar. Fiz um concurso para Cartório em Minas Gerais, porque era no Estado onde eu morava, mas abdiquei na prova oral e não segui adiante. Passei em algumas primeiras fases e reprovei nas segundas. Quando fui aprovado para a magistratura em Mato Grosso, fui aprovado também na Bahia e no Paraná. Fui empossado em agosto pelo Tribunal de Justiça.
HNT - E o que Vossa Excelência gosta de ler? São mais textos literários, jurídicos, filosóficos...
Pedro Toaiari - Eu gosto muitos de livros de Filosofia e Sociologia. Na hora de estudar, eu estudo por eles. Essas duas disciplinas são a base do Direito e dominando-as eu consigo saber a natureza das coisas. Quando eu leio por prazer são autores mais clássicos. Já li muito Immanuel Kant e diversas outras obras clássicas da Filosofia. Também gosto muito dos clássicos nacionais, como “Casa Grande e Senzala”, “Raízes do Brasil” e “Os Sertões”.
HNT - E quais gêneros musicais gosta de ouvir? Houve sentenças recentes assinadas por Vossa Excelência que cita trechos de canções de rappers...
Pedro Toaiari - Eu venho do Rock e sou muito fã. Mas, por mistérios da vida, quando era mais jovem, ainda na fase de colégio, apareceu um CD com canções de rappers e uma me chamou atenção, que foi “Diário de um Detento” dos Racionais MC’s. Eu ouvi aquilo e me marcou muito.
Desde então, eu sempre acompanhei a trajetória dos Racionais MC’s. Outros grupos de rappers eu conheci a partir de um movimento social que eu tive em Minas Gerais, onde eu tocava algumas músicas de rappers no presídio para que os detentos pudessem falar sobre suas experiências, se identificar ali com um ou outro trecho, e eu tentava fazer daquilo uma aula para explicar uma crítica social de determinada música.
Eu explicava aos detentos o que era explicado nas canções de rap, as questões sociais abordadas. A partir deste contato, os detentos passaram a me apresentar vários artistas e grupos de rap, como Eduardo Taddeo, Facção Central, MV Bill que eu já conhecia, DK 47, Lord e outros.
HNT - Mas, o que mais lhe chama a atenção nas canções de rap para vir até a citá-las em sentenças?
Pedro Toaiari - É um gênero musical desconhecido pela maioria da elite, mas eu vejo como uma das mais puras formas de arte e um conteúdo muito denso, que fala muitas coisas, especialmente para determinados públicos. Fala para o público carcerário, do universo jurídico e do político também. São músicas que eu gosto de escutar para refletir. Não é um gênero musical que eu vou dançar ou até que eu coloque no fone de ouvido quando for fazer uma corrida. São músicas que eu gosto de parar para escutar, raciocinar, entender as letras e aprofundar em cada um daqueles versos.
HNT - E o que as canções e versos de rap podem acrescer à sua função jurisdicional?
Pedro Toaiari - O que tento trazer são duas coisas: a percepção de que este gênero não pertence a bandido. O cara canta numa forma de realismo literário. Não significa dizer que ele é aquela pessoa ou que vai fazer aquilo tudo. São músicas que retratam a realidade de pessoas que eu julgo, que a gente acusa, mas que não conhece.
Eu nunca estive convivendo no grosso dentro de uma favela, já passei próximo de algumas. Também nunca passei fome, morei dentro de um barraco de madeira ou conviver diariamente com esgoto a céu aberto perto de mim.
São realidades das quais eu nunca vou conseguir me colocar naquele lugar, mas posso entender daquilo um pouco para, nas minhas tomadas de decisões enquanto juiz, ter sensibilidade quanto a isso.
A partir do momento em que assumo a responsabilidade de julgar o meu semelhante, tenho a obrigação de compreendê-lo ainda que minimamente. É o que o rap me proporciona.
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G.A.F 26/09/2022
Muito bom! Uma quebra de paradigmas em uma estrutura conservadora, que é o Judiciário como um todo!
1 comentários