Em tese, a escravidão foi abolida de todo o Brasil ainda no século 19. No entanto, em pleno ano de 2016, com avanços na Saúde, Educação, Direitos Humanos e tantos outros pontos que buscam oferecer um pouco mais de dignidade à vida em sociedade, ainda há registros de pessoas que trabalham em condições degradantes, que se assemelham à escravidão.
Trabalho análogo a escravidão é toda atividade que exigir trabalho forçado, em condições degradantes, incompatíveis com a dignidade humana: alojamentos indignos, falta de acesso a uma alimentação compatível, falta de acesso a banheiro, a água, às condições básicas de higiene, jornadas exaustivas de trabalho, entre outros fatores.
“Toda ser humano tem o direito de ser tratado como pessoa e não como uma coisa, um objeto. Há casos em que o trabalhador não é tratado como sujeito de direito e sim como um objeto. Existem propriedades em que os animais da propriedade são tratados melhor que os funcionários”, conta o procurador Thiago Gurjão Alves Ribeiro, do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Não é preciso ir longe para se encontrar casos que se enquadram nesse perfil. Nos últimos meses, pessoas vivendo e trabalhando em condições indignas foram resgatadas nas cidades de Chapada dos Guimarães (65 km a nordeste de Cuiabá), em Poxoréu (257 km a leste) e na própria capital de Mato Grosso.
Conforme os dados fornecidos pelo MPT, 1313 pessoas foram resgatadas de trabalhos análogos à escravidão durante 169 fiscalizações realizadas entre os anos de 2008 e 2015, em todo o estado. Apenas em 2008 foram resgatados 578 trabalhadores em condições degradantes. No ano seguinte, o número caiu para 308 registros de pessoas retiradas de trabalhos dessa natureza. No ano passado foram 44 casos.
De acordo com o procurador Thiago Ribeiro, os locais e setores nos quais mais são encontrados trabalhadores em condições análogas à escravidão são diferentes em cada região do país. Em São Paulo, por exemplo, eles são recorrentes nas fábricas de vestuário, geralmente terceirizadas de grandes marcas. Em Mato Grosso, como a vocação econômica é a agricultura, são nas lavouras que se concentram o maior número de pessoas nessas condições.
A maior parte dos resgatados são homens com baixo grau de instrução. Alguns são nativos de Mato Grosso, mas há também uma parcela de trabalhadores que vêm de outros estados, principalmente das regiões norte e nordeste do país, com o sonho de proporcionar uma vida melhor para suas famílias, que ficam na cidade natal esperando seu retorno. Na grande maioria das vezes, o sonho da melhoria vira um pesadelo alimentado por falsas promessas.
“Muitas das vezes o trabalhador acaba não tendo como deixar o trabalho por causa de contas feitas no local. Há casos em que o empregador cobra a passagem do trabalhador quando ele chega ao local. Às vezes há comercio próximo ao local de trabalho que cobram preços muito acima do mercado, mas é a única opção na região e o trabalhador acaba sempre devendo e não pode deixar o local”, diz o procurador.
As pessoas resgatadas desse tipo de trabalho vêm de uma situação de vulnerabilidade social. Muitas vezes trabalham desde muito cedo, oriundos de área ruralm, que acabaram deixando a terra e buscar outras oportunidades devido ao crescimento das cidades e dos latifúndios. Um ciclo que acaba, em grande parte das vezes, sendo transmitido aos filhos.
“Percebe-se também que a maioria das pessoas resgatadas nessas condições são reincidentes, ou seja, não é primeira vez que são tiradas desses trabalhos ou que, mesmo que não tenham sido resgatadas, não é a primeira vez que elas são contratadas para esse tipo de serviço”, explica Ribeiro.
Identificar e punir os responsáveis por explorar desta forma a mão-de-obra ainda é uma grande dificuldade em Mato Grosso.
“Nas pequenas fabricas é possível encontrar alguma etiqueta ou nota, algo que leve à empresa para a qual aquelas pessoas trabalham. No campo isso é mais difícil, pois esses trabalhos, na maioria das vezes, são terceirizados e os donos das áreas rurais acabam sempre alegando que não sabiam ou que o terceiro que cuida dos funcionários. Entretanto, isso não o isenta da responsabilidade”, argumenta o procurador.
“De todos os pontos que caracterizam o trabalho escravo as que mais aparecem são as condições degradantes de trabalho e a limitação ou restrição de algum acesso de locomoção e liberdade o trabalhador. Seja ela geográfica, ou falta de acesso, na prática a como sair daquele local, seja pela criação de dívidas fraudulentas, todas esses pontos devem ser levados em conta e não podem ser confundidos com a escravidão existente do país no século 19”, explica.
“O que está em jogo nessa caso não é a condição jurídica do cidadão, mas a forma como ele é tratado e as condições de trabalho a qual é submetido que pode se comprar, tal qual, as recebidas pelos trabalhadores daquela época. Tanto a um quando ao outro eram negados o tratamento de direito humano ”, salienta.
Punição
Aqueles empregadores que forem denunciados e contatados que têm trabalhadores em condições análogas a escravidão, além de pagar todos os direitos aos funcionários, também serão punidos com a cobrança de indenização por danos coletivos, que pode atingir a casa dos milhões de reais. O valor é revertido para fins sociais.
“A exploração dessa mão de obra visa diminuir custos e aumentar lucros. Assim, quando se atinge no bolso há uma lição compatível com o dano causado e também uma finalidade pedagógica para se quebrar esse raciocínio que adota o trabalho escravo”, pontua.
Ação Integrada
Os trabalhadores resgatados têm direito ao seguro desemprego, que acaba em pouco tempo. Infelizmente, ainda não há políticas públicas que amparem o trabalhador vítima de trabalho escravo e o ajudem a se manter e conseguir um trabalho melhor.
Contudo, desde 2009, as entidades que atuam no combate do trabalho escravo em Mato Grosso têm atuado para reverter esse quadro. Em parceria com a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), O Ministério do Trabalho e o MPT desenvolvem o programa Ação Integrada, que tem como objetivo oferecer aos trabalhadores acesso à qualificação e educação, de forma que eles não fiquem vulneráveis a uma situação de exploração novamente.
“O projeto não impõe nada ao trabalhador, ele pode escolher não realizar. Entretanto, é uma oportunidade de oferecer uma melhor qualificação”, explica.
De acordo com Ribeiro é feito um levantamento das principais demandas dos trabalhadores e, então, são definidos os cursos a serem oferecidos. Entre os cursos mais solicitados estão os voltados para o setor agrícola. Conforme dados do MPT, entre os anos de 2009 e 2016 foram realizados 38 cursos de qualificação em 33 comunidades de Mato Grosso.
As denúncias de casos de trabalho análogo a escravidão podem ser feitas a ouvidoria do MPT (65) 3613-9100, ao Minitério do Trabalho pelo telefone 3616-4800 ou pelo aplicativo MPT Pardal.
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