Aos 86 anos de idade, dos quais 33 dedicados ao Clube Esportivo Operário Várzea-grandense, que completou 60 anos em 2009, quando surgiu o clube empresa Operário Futebol Clube Ltda. e cuja legitimidade está sendo contestada na Justiça, o “Velho Guerreiro” Rubens dos Santos não quer saber mais de futebol.
Alternando no seu dia a dia momentos de impressionante lucidez para a sua idade, com esquecimentos que revelam o entorpecimento de seus envelhecidos neurônios, Rubens dos Santos está vivendo dias difíceis, esquecido pelos amigos, inclusive muitos jogadores com os quais conviveu longo tempo durante os anos de ouro do tricolor.
Para piorar o péssimo estado emocional do “Velho Guerreiro”, fundador do CEOV, Rubens dos Santos sofreu um duro golpe em julho deste ano: a morte da velha companheira Angelina Francisco dos Santos, a Angi, com o fim de um casamento que durou 60 anos, a idade do Operário, fundado em 1949, com as bênçãos do bispo Campelo de Aragão.
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HiperNotícias – Como foi o seu afastamento definitivo do Clube Esportivo Operário Várzea-grandense depois de uma ligação que durou 33 anos?.
Rubens dos Santos – Eu senti muito no início, mas estava na hora de parar. Na minha idade, eu já não tinha forças para lutar contra o grupo que vinha dominando e espoliando o Operário, que já teve dois patrimônios valiosos – uma sede em um terreno que fazia parte do local onde funciona hoje o Big Lar e uma área de 30 hectares nas imediações da antiga sede social da extinta Companhia de Desenvolvimento de Mato Gosso (Codemat), lá pelos lados do Carrapicho – e acabou tão endividado que teve de trocar de nome para continuar existindo, com um nome que não significa nada para os operarianos de coração.
HiperNotícias – O senhor sempre disse que o Clube Operário Várzea-grandense nasceu abençoado por dom Antonio Campelo de Aragão. E o Operário Futebol Clube Ltda.?
Rubens dos Santos – Desse clube que você acabou de citar em me recuso a falar. Do outro Operário que nasceu sob as bênçãos de dom Campelo Aragão eu falo de coração. Eu tinha vindo de Corumbá, onde defendia o Guarani, para disputarmos alguns amistosos na capital e fui ficando por aqui. Acabei conhecendo, então, o bispo dom Campelo de Aragão, que tinha chegado do Nordeste para fundar círculos operários na região. Um dia, numa das nossas conversas, ele me perguntou por que Várzea Grande, uma cidade com tantos operários, não tinha um time de futebol? Respondi que não tínhamos dinheiro para comprar o uniforme e ele respondeu que isso não era problema. E me deu um uniforme completo, com 15 camisas, 15 calções e 15 pares de meias. O uniforme tinha as cores verde, branco e vermelho, usadas pelo Fluminense, do Rio de Janeiro, o clube do coração do bispo...
HiperNotícias – Por que o senhor acha que o Operário nasceu abençoado por dom Aragão?
Rubens dos Santos – Porque já no primeiro jogo, realizado no dia 1º de Maio, no campo do Círculo Operário de Várzea Grande, na Rua da Independência, em homenagem ao Dia do Trabalhador, conseguimos derrotar o Palmeiras, do Porto, por 1x0. O gol foi feito por Boalva, no primeiro tempo. Começava naquele dia histórico uma sucessão de conquistas de grandes vitórias e títulos no futebol amador e no profissionalismo.
HiperNotícias – Além do Boalva, o senhor se lembra de outros jogadores que participaram dessa partida histórica?
Rubens dos Santos – As vezes a memória falha, mas me lembro do Caetano (pai do apresentador de televisão Augusto Roberto e que está com 94 anos), Jorge Mussa, Assis, Ciro, Simião, Chafia, Nonô Sapateiro, Gongon e eu, claro, que como primeiro dirigente do clube tinha lugar garantido na equipe...
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Rubens dos Santos – É uma longa história. O governador Garcia Neto (1975/79) tinha um irmão [Robério Garcia, o mesmo nome do seu filho mais novo, o Roberinho] que não estudou para que os outros irmãos pudessem se tornar doutores. Robério morava em Sergipe, terra de Garcia Neto, e o Operário acertou um amistoso com a seleção estado para homenagear o desconhecido irmão do governador. Foi uma bela festa. A noite em um jantar na Residência dos Governadores, Garcia Neto ficou tão emocionado com a homenagem do Operário ao seu irmão que até chorou. E prometeu doar um terreno de 30 hectares em Várzea Grande para realizarmos o nosso sonho da Vila Olímpica. Passado um tempo, por determinação do governador Garcia Neto, fui procurar o Bento Porto, na Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral do Estado, para viabilizar a doação, mas o secretário me disse que a Codemat só ia doar 10 hectares. Voltei ao gabinete do governador e lhe falei da posição do Bento Porto. O Garcia Neto ligou para o secretário e vociferou: “Eu não lhe pedi, secretário, dei uma ordem para o Estado doar trinta hectares para o Operário. Você tem quarenta e oito horas para cumprir minha ordem...”
HiperNotícias – E por que o projeto da Vila Olímpica não deu certo?
Rubens dos Santos – Estava tudo certo para o projeto da Vila Olímpica ser posto em prática: dez hectares seriam ocupados com campos para jogos e treinamentos, piscinas para os associados, sede social, pistas para a prática de atletismo e outros benefícios, e 20 hectares seriam loteados para arrumar dinheiro para bancar os custos do projeto. Mas o dinheiro desapareceu e o que restou dos trinta hectares foi um campo mixuruca para o time treinar na antiga Codemat...
HiperNotícias – Três anos depois da fundação do CEOV, o senhor abandonou a carreira de jogador e durante um longo período que se encerrou em 1982 foi de tudo no clube: presidente por muitos anos, treinador, roupeiro, empresário. O senhor se arrepende de ter dedicado tanto tempo ao tricolor?
Rubens dos Santos – Não me arrependo. O futebol foi uma grande paixão da minha vida. E o Operário, a quem dediquei mais de trinta anos de minha vida, uma paixão e meia!
HiperNotícias – Durante essas mais de três décadas de dedicação ao Operário, o senhor conviveu com grandes jogadores como Bife, Gaguinho, Mosca, Ruiter, Zé Pulula, Gilson Lira. César Diabo Loiro, Upa Neguinho e tantos outros, alguns dos quais se tornaram grandes amigos seus. O senhor chegou a nutrir uma admiração especial por alguns “astros” operarianos?
Rubens dos Santos – Não! Sempre tratei todos os jogadores com o mesmo respeito e consideração. Mas também quando era necessário eu tratava todos com o rigor.que a disciplina do clube impunha. Muita gente reclamava das multas que eu aplicava nos jogadores mais indisciplinados, mas nunca fui injusto com ninguém. O Gaguinho e o Bife eram os que mais reclamavam das punições, porque eram os que mais aprontavam. Por isso, frequentemente entravam nas multas pra valer...
HiperNotícias – Nos 33 anos de dedicação ao tricolor o senhor investiu muito dinheiro no Operário?
Rubens dos Santos – Investi, sim, mas não dos meus ganhos pessoais. Os maiores investimentos que eu fazia no clube saiam dos meus ganhos com o carteado e do contrabando de uísque que eu trazia do Paraguai. Numa certa madrugada, num bar de fim de noite, um comandante do 16º Batalhão de Caçadores (16 BC) me perguntou onde eu arrumava tanto dinheiro para sustentar o Operário com muitos jogadores famosos e com salários altos e eu respondi: “Sou contrabandista de uísque, coronel!”. De mãos postas, ele me fez um pedido: “Pelo amor de Deus, Rubens, nunca fale sobre isso a ninguém. Se chegar nos ouvidos de alguém do governo – eram os anos duros do governo revolucionário– que eu sei que você é contrabandista, eu estou frito nas mãos dos meus superiores...”
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Ana Karla Costa 14/01/2014
Parabéns pela matéria. O sr. Rubens dos Santos é uma pessoa que fez parte da história do futebol mato-grossense e estava esquecido. Além do futebol, ele é um apaixonado pelo jornalismo a ponto de fundar um jornal, o Correio. Polêmico, amado e odiado, sr. Rubens fez parte da história de muitos profissionais da comunicação, como eu. Fiquei emocionada com essa entrevista. Saúde Rubens dos Santos, o Velho Guerreiro.
orlando antunes 13/01/2014
Este era fera. Pena que o tempo não perdoa. Nem ele e nem o Lino Miranda que já se foi. Estes "tipos" fazem falta ao futebol de hoje.
2 comentários