Mesmo com a redução do nível de alarme da Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), decretada no início do mês, é impossível negar a destruição que o vírus causou mundo a fora, como o de grupos sociais em situação de vulnerabilidade, que foram os mais afetados pelos efeitos do coronavírus. Juntamente com outros pesquisadores, Giselly Rodrigues Gomes, professora doutora em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), escreveu um artigo sobre a pandemia. O livro “Os Condenados das Pandemia”, coordenado pela doutora Michèle Sato, em 2020, que morreu no início da última semana, relembra 22 grupos sociais que nem sempre entraram em debates centrais durante a emergência mundial.
LEIA MAIS: Morre doutora Michele Sato, referência em educação ambiental de Mato Grosso; veja vídeo
O HNT foi em busca de outro olhar sobre o contexto pandêmico, o dos excluídos de discussões e orientações gerais. No resumo do livro “Os Condenados da Pandemia”, os pesquisadores denunciam que há um falso discurso sobre a ‘democracia’ do coronavírus. A publicação, feita pelo Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) da UFMT e mais pesquisadores, diz que a doença não atinge a todos, sem distinção, mas mata principalmente os que habitam a geografia da fome.
Doutora Giselly traz em seu artigo “Pessoas com Deficiência (PcD) e a ausência de orientações adequadas”, a luta de PcDs contra a contaminação da covid, ao mesmo tempo em que se sentem limitadas com as recomendações da OMS. “Historicamente, essas pessoas vivenciam o isolamento e exclusão social diante das muitas barreiras que as impedem de ter acesso aos serviços de forma igualitária, além do impedimento à participação social”, cita a pesquisadora sobre outra publicação.
“Você imagina uma pessoa surda, que se comunica por libras dentro de um hospital em isolamento. E ela, de alguma fora, pra se comunicar com um profissional da saúde que não tem conhecimento dessa língua [...] a gente nunca vai saber exatamente o que passa alguém numa situação dessas”, diz ela, ao ponderar que as pessoas devem buscar esse tipo de capacitação e sensibilização. A pesquisadora relembra também a época das vacinas, onde também havia uma luta para que PcDs fossem incluídas em grupos prioritários.
Durante a entrevista feita, a professora faz uma exemplificação de como havia uma barreira comunicacional, onde as orientações não eram acessíveis durante a pandemia, como um conteúdo audiovisual ensinando a como lavar as mãos, mas sem áudio descrição para pessoas cegas. “A exemplo das pessoas cegas e com baixa visão, a implementação de medidas básicas de higiene torna-se ainda mais complexa diante da condição de dependência do tato com superfícies, o que aumenta as chances de se contaminarem”, enfatiza ela no artigo.
No texto, a doutora ainda traz embasamentos sobre futuros novos surtos virais e a necessidade de Pessoas com Deficiência serem incluídas em debates e acesso a informações. A pesquisadora trabalha e convive com PcD, especialmente pessoas cegas. Ela conta a necessidade de escrever sobre a vulnerabilidade de grupos sociais. “A gente percebia que pouca coisa tava acontecendo. A gente viu que as pessoas estavam vivendo nos hospitais, a gente sabia de relatos de Pessoas com Deficiência, o que elas e suas famílias estavam enfrentando quando hospitalizadas”, expressa ela.
“Nosso desafio naquele momento era a gente pensar os grupos sociais no contexto que todo mundo tava vivendo ali, que era a pandemia”, diz a professora.
Sobre a nova perspectiva, quando a covid não é mais uma emergência mundial, a doutora diz que a pandemia escancarou os problemas que sempre existiram na sociedade. “As Pessoas com Deficiência, a gente gosta de destacar que elas não são invisíveis, elas são invisibilizadas socialmente. Então, existe aí um contexto social que faz com que essas pessoas não estejam presentes nos espaços da sociedade, onde elas deveriam estar”, destaca Giselly.
Um ponto observado pela doutora foi o isolamento desse grupo social. Com a publicação, ela avalia que as pessoas, de alguma forma, coloquem-se um pouco no lugar do outro. “[...] imaginando o que é para uma Pessoa com Deficiência, que passa, por vezes, uma vida inteira em isolamento”, aponta ela, ao falar que não foi nenhuma grande novidade.
Sobre o discurso de melhorias na pós-pandemia, Giselly aponta que não existiu avanços diante de tudo que foi vivido. “É ainda uma luta para a implementação da lei brasileira de inclusão, por exemplo”, diz ela ao refletir sobre as barreiras comunicacionais. “Não aprendemos o suficiente. Ainda estamos vivendo os mesmos problemas, ou problemas muito semelhantes, ainda é uma luta”, acredita ela.
MICHÈLE SATO
Todo o projeto “Os Condenados das Pandemia” surgiu a partir de Michèle. Ela foi a coordenadora dos trabalhos para publicar o livro. Giselly conta que as discussões em torno da pesquisa eram para que o projeto saísse o mais rápido possível. Giselly conta que o projeto trabalhou de maneira objetiva, trazendo a problemática, mas, ao mesmo tempo, apresentou o que poderia ser feito para esses 22 grupos.
Doutora Giselly tem um carinho especial por Michèle, já que foi orientanda de Sato. Ela conta que viveu de perto com a docente. “Ela é uma pessoa, um ser humano, que vai fazer muita falta pra nós. Pela pessoa que ela é, pelo ser humano que ela foi, pelo profissional, pela cientista brilhante. A Michèle foi dedicada e muito sensível”, expressa Giselly.
“Uma das coisas que eu aprendi muito com ela, que é importante a gente ter coragem pra gente correr os riscos na vida. Arriscar é algo intrínseco à nossa existência, mas por vezes a gente tem muito medo de correr riscos. E eu sempre fui um pouco medrosa em alguns aspectos, inclusive no ponto da pesquisa”, expõe Gomes.
Segundo a pesquisadora, Michèle nunca escondeu o lado que ela estava e, para ela, esse é um dos legados que a doutora deixa. "Mesmo que eu esteja em um debate, que eu sei que eu vou perder, no meu ponto de vista, não tem problema. Eu não vou me aliar ao outro lado, pra dizer que eu fiquei com quem ganhou, ou porque eu tenho vergonha de assumir o meu posicionamento. Então, isso pra mim foi um grande aprendizado”, realça ela dizendo que é preciso muita coragem, como Sato teve, mesmo ao passar por ameaças.
Clique aqui e faça parte no nosso grupo para receber as últimas do HiperNoticias.
Clique aqui e faça parte do nosso grupo no Telegram.
Siga-nos no TWITTER ; INSTAGRAM e FACEBOOK e acompanhe as notícias em primeira mão.