"Nunca um advogado disse 'meu cliente é inocente, meu cliente não tem nada a ver com isso, não há uma prova nesse processo'", disse o desembargador-presidente. "O que eu fiquei ouvindo, durante cinco anos, foi: 'há uma nulidade, porque aquele documento é preto, e devia ser verde; aquele portão não abriu, mas devia ter aberto; ah, porque o juiz espirrou em vez de tossir; ah, porque o promotor falou muito alto, e o meu cliente ficou com medo...'."
O Estado perguntou se não estava exagerando - já que diversos advogados efetivamente questionaram o mérito - mas ele repetiu: "Nunca ouvi uma defesa de conteúdo material - e nós, como juízes, não podemos idealizar a forma e sacrificar o conteúdo. A verdade é essa."
Santos Laus, um solteiro de 56 anos, é desembargador do TRF-4 desde o penúltimo dia de 2002, 30 de dezembro, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso o escolheu, de uma lista tríplice. Tinha 16 anos de Ministério Público - seis no estadual, dez como procurador da República.
Virou um personagem nacionalmente mais conhecido no começo de 2018 quando a 8.ª Turma, que integrava, passou a julgar as decisões de primeira instância da Operação Lava Jato. O julgamento de maior repercussão do qual participou foi o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve confirmada e aumentada a sentença de primeira instância que o condenou por lavagem de dinheiro e corrupção passiva no caso do triplex do Guarujá, da qual continua recorrendo.
Santos Laus foi eleito presidente do TRF-4 em abril passado, com 17 dos 27 votos possíveis. Desde junho, comanda uma máquina que atua em três Estados - Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná -, com cinco mil funcionários ativos, mil aposentados, e orçamento anual em torno de R$ 5 bilhões.
Catarinense de Joaçaba, é um dos cinco filhos de um advogado de descendência alemã que foi preso político, por 32 dias, e teve cassado seu registro profissional pela ditadura que derrubou o presidente João Goulart, do qual era um quadro de confiança. "Foram tempos difíceis", comentou o desembargador, lembrando os dez anos em que a família se mudou para São Paulo, em busca de dias melhores.
O pai tem 90 anos, está alquebradamente bem, e o filho pede que não se publique o nome, "por segurança". A mãe, descendente de portugueses, é cirurgiã-dentista aposentada, com 84 anos. Uma de suas pinturas florais ornamenta uma das paredes do amplo gabinete presidencial de 115 metros quadrados, com ampla vista para o estuário do Rio Guaíba, no 9.º andar da sede do TRF-4.
É de lá que o desembargador exerce seu novo desafio - com a ajuda de um buda dourado que decora uma das colunas, e de uma mandala, ambos trazidos pelo novo dono do pedaço. "Sou um iluminista, um espiritualista", explicou. "Acredito que nós somos energia, basicamente, e que energia boa atrai energia boa. É assim desde sempre. Isso é da física quântica, meu caro."
Pode parecer pernóstico, mas é apenas o que sobrou do Victor Luiz que pretendia ser físico nuclear e trabalhar na Nasa antes de passar em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Comente-se algo como "o pessoal do Lula teria gostado", e ele complementará, ligeiro e bem-humorado: "Principalmente se eu estivesse num foguete".
Santos Laus deu uma entrevista de quatro horas - um recorde para quem nunca concordou nem com dois minutos. "Agora, como presidente, eu tenho que falar", afirmou, declarando-se um "progressista-humanista".
O que o sr. achou do resultado do recente julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no caso do sítio de Atibaia, em que a 8ª Turma confirmou e aumentou a sentença condenatória da primeira instância?
Eu estive no âmbito da Operação Lava Jato desde o seu nascedouro. Todos os julgamentos foram uma radiografia do que estava nos autos. No processo do sítio de Atibaia existiam elementos documentais e materiais que sustentavam a acusação feita pelo Ministério Público. O juízo condenatório era uma imposição. Restava resolver a dosagem de pena.
A decisão sobre o sítio de Atibaia, elogiada por um lado, foi, também, uma das mais atacadas. O advogado do ex-presidente Lula disse, por exemplo, que o TRF-4 "julgou o Lula como inimigo".
Existem na doutrina penal vários autores que usam a expressão "Direito Penal do inimigo". É uma construção doutrinária que entende que a norma penal tem apenas o conteúdo de punir alguém, de perseguir alguém. Essa é a visão maniqueísta. Quem não professa essa doutrina compreende que o Direito Penal tem um conteúdo retributivo e civilizatório.
Há um grupo de juristas, numeroso e representativo, chamado Prerrogativas, que fez várias críticas ao julgamento. Afirmou, por exemplo, que a 8ª Turma foi "parcial, ignorou fatos, sacramentou o plágio", e por aí vai. É uma visão diametralmente oposta a isso que o sr. entende como verdade.
É o que eu compreendo como estando nos autos.
No caso do julgamento do triplex do Guarujá - do qual o sr. participou - também há entendimentos contrários à decisão do Tribunal. Como também há os francamente favoráveis. Por que que é assim?
Assim como tem esse chamado Direito Penal do inimigo existe também o movimento garantista. Existem muitos profissionais que se autodefinem ou se rotulam como garantistas. Garantismo é uma doutrina que nós conhecemos. Mas, quando se faz a tradução para o Brasil, o brasileiro tem essa mania de sempre dar um verniz barroco às tradições e aos conceitos.
De que categoria o sr. está falando?
Os advogados, por exemplo, que se apresentam como garantistas, na realidade são advogados que dão uma ênfase à forma, e não ao conteúdo. Aí a discussão é outra. Vale o conteúdo material ou o conteúdo formal? Em cinco anos de Operação Lava Jato, julgando casos na então 8.ª Turma, eu nunca ouvi uma defesa de conteúdo material. Nunca ninguém disse "meu cliente é inocente, meu cliente não tem nada a ver com isso, não há uma prova nesses processo". Eu fiquei durante cinco anos ouvindo: "há uma nulidade, porque aquele documento foi feito preto, e devia ser verde; aquele portão não abriu, mas devir ter fechado; ah, porque o juiz espirrou em vez de tossir; ah, porque o promotor falou muito alto, o meu cliente ficou com medo porque ele tossiu..." Eu não posso idealizar a forma e sacrificar o conteúdo. A verdade é essa.
Não é um exagero o sr. afirmar que nunca ouviu, em cinco anos, um advogado da Lava Jato defendendo a inocência do cliente, no mérito?
Nunca ouvi.
O que nós temos na praça é que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antes de ser preso, e agora em liberdade, fez e continua a fazer um discurso forte e radicalizado contra as decisões que o condenaram, criticando o mérito, e não a forma...
Está no direito dele.
Que contesta, diretamente, tudo isso que o sr. está dizendo. Diz que não tem provas contra ele, que é inocente, que foi alvo de injustiça. Como o sr. entende essas afirmações?
Existe um princípio, em Direito, que é o princípio da não autoincriminação. Ninguém pode ser obrigado a se autoincriminar. A partir dessa concepção, todo o réu tem direito a discordar da decisão. Então, no caso do ex-presidente, ele tem todo o direito, deve ter as suas razões, sejam elas quais forem, de discordar da decisão. Agora, o advogado dele já é diferente. Do advogado dele eu não esperaria esse tipo de comentário.
Irá a julgamento, no Supremo Tribunal Federal, o processo em que a defesa do ex-presidente Lula argui a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça, entre outras coisas baseada nos diálogos divulgados pelo site The Intercept Brasil. Qual é a sua posição neste caso?
Eu vou ficar pregando no deserto - mas, para mim, prova ilícita é prova ilícita. Os áudios obtidos pelo The Intercept são alvo de prova ilícita. Não se prestam a alimentar qualquer investigação, muito menos uma condenação, muito menos uma arguição de suspeição.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
(Com Agência Estado)
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