O meu nome é Vladimir, eu sou um doente alcoólico. Tenho 32 anos de idade, e estou sóbrio há 12. Cheguei em Alcoólicos Anônimos aos 20 anos, quando eu não conseguia mais encontrar justificativas para me auto enganar e continuar bebendo. Na minha última bebedeira, acordei em um colchão ensanguentado, com dois cortes profundos na barriga. Aquela não era a primeira vez que isso acontecia, em outras ocasiões eu já acordara em hospitais, em locais desconhecidos e até na rua. Alcoolizado, eu perdia totalmente o controle sobre os meus atos e hoje sei que não sabia o que estava fazendo, mas na época achava que sim, que estava no controle.
Depois de viver tantos problemas, de ter me colocado em inúmeras situações indesejadas e prejudicado a minha família e as pessoas ao meu redor, naquela manhã, naquele colchão ensanguentado, onde mal conseguia me movimentar, um questionamento me veio à mente: por que a maioria das pessoas que ingerem álcool voltam para casa sem problemas? Por que elas não passam por tudo aquilo que eu tenho passado nos últimos anos? Aquele foi o momento em que eu percebi que havia algo diferente comigo. Quis a providência divina que eu estivesse na casa de alguém que sabia da existência de A.A., e que, em meio aos meus questionamentos, abrisse a porta do quarto e me perguntasse se eu queria ir a uma reunião do AA.
Fui muito bem recebido desde a primeira reunião, mas eu me achava muito machucado e ainda sob efeito do álcool, o que me impede de recordar com clareza o que vi e ouvi na reunião daquele dia. Dois dias se passaram e eu, já me sentindo melhor, sem ressaca, retornei à minha segunda reunião. Desde então nunca mais deixei de frequentar as reuniões, e passei a praticar o programa de 12 Passos de recuperação. É um programa espiritual que tem salvado milhares de pessoas e seus familiares das garras do alcoolismo, pois esta doença é de contágio familiar, e com frequência assustadora pode levar a família, junto com o doente, para o fundo do poço, trilhando um caminho que para muitos não tem volta.
No início foi difícil aceitar que eu era portador de uma doença física e mental, como descreve a Organização Mundial da Saúde, porém aos poucos superei a barreira do orgulho, raciocinando que só podia ser mesmo uma doença para causar tanta insanidade a um grupo de pessoas que ingerem bebida alcoólica. Mesmo tendo bebido apenas sete anos, eu já sofria todos os sintomas de um alcoólatra com várias décadas de bebedeiras no seu histórico. O AA não entra no campo da ciência, mas parece que, em algumas pessoas, ocorre uma progressão mais rápida e a experiência nos mostra que existem apenas dois caminhos para o doente que não aceita o programa de recuperação: a loucura ou a morte prematura.
O primeiro caminho eu já trilhava e não ia demorar muito para alcançar a morte prematura. Hoje, 12 anos depois, tentando praticar os princípios desse programa da melhor maneira que eu posso, sinto que a minha vida está bem melhor. Um dia de cada vez, eu tenho reparado os prejuízos que causei a mim e a terceiros, tento ser um filho respeitador dos meus pais, um esposo melhor, e um pai exemplar para minhas filhas. Sei que tenho um papel a desempenhar na vida, de modo que tento diariamente contribuir para uma sociedade melhor. Digo, sem medo de errar, que tenho uma vida feliz, útil e significativa, a vida que desejava ter quando estava alcoolizado, quando buscava isso em um copo de bebida alcoólica.
Ter chegado e permanecido em Alcóolicos Anônimos foi a melhor decisão da minha vida, o melhor investimento em busca de uma correção de rota, um verdadeiro ato de amor próprio. Só assim eu pude organizar minha vida, meus relacionamentos, meu lado profissional, enfim, em todas as áreas. Devo minha sobriedade ao apoio que tive dos companheiros da irmandade de AA nos dias difíceis, principalmente nos dois primeiros anos, em que beber parecia ser a única solução. Sou grato também aos profissionais da área da saúde, mas principalmente aos companheiros que perderam noites de sono ficando ao meu lado até a vontade de beber passar. A minha gratidão é eterna àqueles que abdicaram de estar com seus familiares para me ajudar a me manter sóbrio.
Muita gente fez isso por mim porque, no passado, alguém do grupo fez isso por eles também e assim nós seguimos com o sistema de mútua ajuda. Os que estão há mais tempo sóbrios ajudam aqueles que estão chegando e evitando o primeiro gole. No início, eu só queria permanecer sóbrio, mas não tinha forças para isso e não queria passar pelas crises de abstinência que diariamente me roubavam a paz. No grupo haviam pessoas torcendo pela minha sobriedade, vibrando a cada dia que eu retornava sóbrio a mais uma reunião. Sozinho eu jamais conseguiria, mas junto deles, da irmandade, tudo se tornou possível.
Na iminência de morrer de tanto beber, como acontece com centenas de jovens diariamente, eu pedi ajuda para permanecer sóbrio, conseguir o que eles haviam encontrado, e essa ajuda eu recebi na irmandade de Alcoólicos Anônimos. Aquelas pessoas me deram a mesma oportunidade de me recuperar que elas tiveram.
(*) VLADIMIR é nome fictício em respeito à Tradição do Anonimato.
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