Respire fundo. Odete Roitman voltou dos mortos - de novo - e o Twitter (desculpe, X) veio abaixo junto com outras redes sociais e até o servidor AWS... No remake de “Vale Tudo”, aquela bala perdida era, na verdade, um passe livre para o mais brasileiro dos plot twists: vilã esperta finge a própria morte, engana todo mundo e sai ilesa para rir da nossa cara no último capítulo. Enquanto isso, o país decreta luto oficial como se novela fosse parente de primeiro grau. Mas aqui entre nós, pra mim, publicitário quarentão que já tomou mais café do que água, a melhor manchete não é sobre Odete. É sobre o tal “fim” do rádio, da TV, do convencional, da criatividade …. esse funeral coletivo que muito “guru da internet” (muitas aspas nesses “guru”) insiste em organizar toda segunda-feira. Spoiler: o defunto não aparece.
Cena 1 : Vale Tudo e vale muito
Em 1988, o Brasil parou para descobrir quem matou Odete Roitman. Trinta e sete anos depois, paramos de novo para notar que ninguém matou ninguém. A vilã só estava tirando férias remuneradas numa câmara fria de roteiro. Moral da história? Boas narrativas não morrem, apenas viram meme, ganham remake, vendem patrocínio e ainda dão nó na timeline. Isso chama atenção porque emociona. KPI de emoção ainda não cabe em planilha, mas garante conversa no boteco e CTR lá em cima.
Cena 2 : O rádio não morreu, ele só não dança Reels
Enquanto você lia mais um obituário do FM no LinkedIn, 79% dos brasileiros estavam ouvindo rádio (Inside Audio 2024, Kantar Ibope). Sabe o que isso significa? Que de cada dez pessoas no busão, oito estão ouvindo notícia, hit brega ou aquela resenha esportiva. São quase quatro horas por dia de companhia sonora. “Ah, mas podcast…” Calma, galera. Podcast é filho do rádio, só que com fone sem fio e pose de startup.
E, antes que surja aquela planilha mágica dizendo que vídeo é rei, lembre que o mesmo estudo mostra 91% da população consumindo “algum tipo de áudio” diariamente. Não é tendência; é hábito. Hábito não dá swipe up.
Cena 3: E a TV? Continua cheia de vida, obrigado
Conteúdo em vídeo alcança 99,63% da população (Inside Video 2024). Quase 70% desse tempo ainda é TV aberta. Sim, no Brasil de 5G, IPTV e unboxing de ring light, a novela das nove segue vencendo o react de Fortnite. TV linear é como pão francês: dizem que engorda, que vai acabar, mas todo mundo compra antes das oito. Quem ignora isso porque “a Gen Z está em live de Free Fire” está deixando bilhões (de impactos) na mesa.
Cena 4 : Quem matou a criatividade?
Spoiler número dois: não foi a IA. Quem apertou o gatilho fomos nós , os ansiosos por métricas instantâneas. Matamos brainstorming a sangue-frio em troca de um CTR de 2%.
O alerta está em toda parte: das newsletter, aos posts do Nizan. Todos dizem a mesma coisa: quando KPI fica maior que insight, o post nasce com IMC negativo. E aí a gente compensa enfiando prompter no ChatGPT esperando Picasso em PNG gratuito. Resultado: carrossel igual ao do concorrente, só muda a fonte (quando muito).
O problema não é a ferramenta; é o uso infantil dela. Criança de cinco anos tira 98% no teste de criatividade da NASA; adulto tira 2%. Tradução: você cresceu, recebeu senha do Hotjar… e desaprendeu a imaginar.
Cena 5 : Marketing político tirando selfie com o vazio
Se no marketing comercial o like fácil já é veneno, na seara política ele vira overdose. Campanha viciada em dancinha de candidato esquece que audiência sem narrativa vira ruído. A última eleição mostrou: quem combinou criatividade + TV + rádio ganhou recall e voto. Quem acreditou que impulsionar meme e post igual bastava, dançou lambada no TSE.
Plot twist final: O que (ainda) vale tudo
• Narrativa: Se a Globo ressuscita vilã com tiro de festim e prende 30 pontos de audiência, você pode, sim, vender sabão, vereador ou ONG com história boa.
• Multitelas de verdade: Rádio para cobertura ao vivo e prova social. TV para escala e emoção coletiva. Digital para prolongar conversa e medir feedback. Não é X OU Y; é X E Y.
• Criatividade desalgoritmizada: Ideia primeiro, métrica depois. Use IA como assistente, não como redator-chefe.
• Coragem de errar: Sir Ken Robinson já avisou que originalidade exige preparo para estar errado. Errar em insight custa caro? Mais caro é acertar em irrelevância.
Checklist para ressuscitar sua própria Odete
1. Ligue o rádio por uma semana: perceba que jingle ainda gruda mais que qualquer pre-roll.
2. Assista novela com o celular longe: anote como se constroem ganchos e cliff-hangers.
3. Faça brainstorm sem abrir o Google Trends: 15 minutos de divergência crua. Depois convergência.
4. Meça sucesso além do “Custo por Qualquer Coisa”: inclua tempo médio de conversa, menções orgânicas, voto, caixa registradora ou aplauso real na praça da cidade.
5. Use IA para suar menos na pesquisa, não para terceirizar sua opinião.
Epílogo — O dia seguinte do “quem matou”
Odete Roitman sai do caixão, esfrega o glamour na cara da audiência e já deve estar agendando consultoria de branding. Fazendo as contas, a vilã venceu dois inimigos mortais: o esquecimento e a pressa. Os dois também ameaçam nossa profissão. Quem corre só atrás do hype entrega post de plantão, nunca legado. Quem declara morte precoce de mídia clássica esquece que público ama conforto (e novela é cobertor quentinho em HD).
Conclusão?
O marketing , comercial ou político , não precisa de velório, precisa de roteiro. Quer falar com gente de carne e osso? Misture a potência do rádio, a tela da TV e a personalização do digital, tudo temperado com aquela ousadia que fez você entrar nesse mercado antes do cabelo branco. Se até Odete sobreviveu, sua criatividade também pode. Basta parar de atirar nela
(*) GABRIEL SCARPELLINI é membro fundador da Alcateia Política, é publicitário e especialista em Marketing Político e Comunicação Governamental pelo IDP. É também membro do CAMP - Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político. Possui MBA em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral e Empreendedorismo pela PUCMinas. ÉSócio da GAS 360, agência de publicidade, e atua também como consultor em marketing político.
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