Quinta-feira, 31 de Julho de 2025
facebook001.png instagram001.png twitter001.png youtube001.png whatsapp001.png
dolar R$ 5,58
euro R$ 6,37
libra R$ 6,37

00:00:00

image
facebook001.png instagram001.png twitter001.png youtube001.png whatsapp001.png

00:00:00

image
dolar R$ 5,58
euro R$ 6,37
libra R$ 6,37

Artigos Segunda-feira, 28 de Julho de 2025, 09:04 - A | A

facebook instagram twitter youtube whatsapp

Segunda-feira, 28 de Julho de 2025, 09h:04 - A | A

FRANCISCO CHAGAS

Fé sob suspeita: o caso do Pastor Alfredo Barbosa de Souza

FRANCISCO DAS CHAGAS ROCHA

Há muito tempo venho pesquisando sobre as diversas religiões presentes em Cuiabá: Batista, Congregação Cristã, Adventista do Sétimo Dia e outras expressões de fé que marcaram e ainda marcam a vida espiritual da cidade. Em meio a essas investigações históricas, um episódio em especial me chamou a atenção: o processo criminal movido contra o pastor adventista Alfredo Barbosa de Souza, no ano de 1941, em plena ditadura do Estado Novo.

Em pleno Estado Novo, sob o governo autoritário de Getúlio Vargas, o Brasil vivia um tempo de vigilância ideológica e repressão a qualquer discurso considerado “perigoso” à ordem nacional. Foi nesse contexto que, em 2 de março de 1941, o pastor adventista Alfredo Barbosa de Souza, ao proferir uma conferência pública no templo da Igreja Adventista do Sétimo Dia em Cuiabá, Mato Grosso, acabou sendo denunciado por incitação à indisciplina militar.

Durante sua fala, o pastor censurou publicamente a punição aplicada por autoridades militares a dois soldados adventistas que haviam se recusado a realizar serviços no quartel num sábado — dia sagrado de descanso para os membros da igreja. Além disso, visitou os soldados enquanto estavam detidos, buscando prestar apoio espiritual e reafirmando que a conduta deles se baseava em princípios religiosos.

É importante destacar que, para os adventistas do sétimo dia, a observância do sábado como dia de descanso é uma doutrina central, fundamentada diretamente nos Dez Mandamentos descritos no livro do Êxodo, no Antigo Testamento:

**“8. Lembra-te do dia do sábado, para o santificar.
9. Seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho; 10. mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o estrangeiro que está dentro das tuas portas. 11. Porque em seis dias fez o Senhor o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou; por isso o Senhor abençoou o dia do sábado, e o santificou.”(Êxodo 20:8-11)**

A repercussão foi imediata. O caso foi levado à Nona Região Militar e, por meio de inquérito policial militar, foi remetido ao Tribunal de Segurança Nacional, que funcionava como um órgão de repressão política e ideológica durante o Estado Novo. O pastor foi então formalmente enquadrado no artigo 3º, inciso 13, do Decreto-Lei nº 431, de 18 de maio de 1938, que previa pena de três a cinco anos de prisão para civis que incitassem militares à desobediência ou rebeldia.

As acusações se sustentavam principalmente em sua pregação religiosa e na visita aos soldados, que teria, segundo os autos, “incentivado a persistirem na atitude de indisciplina”. O próprio Alfredo, em depoimento (folha 10 do processo), confessou ter feito a crítica, mas reiterou que o fez por convicção religiosa, não com o intuito de afrontar a autoridade militar.

Documentos anexos ao processo revelam o clima de perseguição religiosa da época. O comandante do 16º Batalhão de Caçadores, major Eudoro Corrêa de Arruda Sá, por exemplo, afirmou que a literatura adventista, embora educativa em aspectos de saúde, era “radical”, “nociva” e “perigosa por seu pacifismo”, o qual, segundo ele, poderia “inocular covardia” nos brasileiros. Chegou-se inclusive a levantar suspeitas de que a igreja seria uma frente disfarçada de influência norte-americana, por ocasião da inauguração de seu templo em Cuiabá — ocasião em que norte-americanos estiveram presentes.

Além disso, o civil João Paes de Barros, membro da Igreja Presbiteriana, enviou uma denúncia ao comando do Exército com duras críticas ao pastor adventista, solicitando a censura de um artigo de sua autoria, por conter referência direta a um oficial do Exército. Sua manifestação, embora travestida de zelo patriótico, refletia claramente o ambiente de rivalidade religiosa e intolerância sectária entre diferentes grupos protestantes na cidade.

A Decisão de Absolvição
Apesar da pressão institucional e do contexto político, o processo não conseguiu comprovar a prática de crime por parte do pastor. Em 2 de fevereiro de 1942, o Tribunal de Segurança Nacional absolveu Alfredo Barbosa de Souza, registrando formalmente na sentença que:
“Não está provado dos autos que o acusado houvesse cometido o crime cuja prática se lhe atribui no processo, tudo indicando, ao contrário, que a queixa apresentada a este tribunal seja resultante de dissensões de caráter religioso entre adventistas e presbiterianos na cidade de Cuiabá, no Estado de Mato Grosso.”

Foto: acervo igreja Adventista do 7° dia

IGREJA ADVENTISTA

 

Ou seja, a justiça reconheceu que a denúncia teve motivações mais ligadas a disputas internas entre igrejas do que a qualquer ameaça real à ordem militar ou à segurança nacional. A decisão também evidencia o uso instrumental da máquina repressiva do Estado para alimentar disputas religiosas locais, mascaradas de preocupação com a disciplina e o patriotismo.

A absolvição definitiva de Alfredo Barbosa de Souza foi, portanto, mais do que um alívio pessoal: representou uma afirmação do direito à liberdade religiosa e uma vitória da razoabilidade jurídica num período em que a repressão e o autoritarismo predominavam.

Reflexão Final
O caso de Alfredo Barbosa de Souza revela um momento histórico em que o simples exercício da fé podia ser confundido com subversão. Sua absolvição expôs os interesses cruzados entre política, religião e poder militar, e mostrou como disputas internas no campo religioso podiam ser transformadas em processos criminais.

Mais do que um julgamento de um pastor, o processo foi uma tentativa de silenciar a consciência religiosa e a liberdade de expressão. Porém, o desfecho — com a justiça reconhecendo a origem sectária da denúncia e descartando qualquer ameaça à ordem — transformou esse episódio em um marco silencioso de resistência civil e de integridade espiritual.

Hoje, sua história permanece como alerta e lição: quando a fé é posta no banco dos réus, é preciso que a justiça reconheça o direito à consciência — mesmo em tempos de medo, controle e intolerância.

(*) FRANCISCO DAS CHAGAS ROCHA é Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e administrador da página Cuiabá de Antigamente no Facebook.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

Clique aqui e faça parte no nosso grupo para receber as últimas do HiperNoticias.

Clique aqui e faça parte do nosso grupo no Telegram.

Siga-nos no TWITTER ; INSTAGRAM  e FACEBOOK e acompanhe as notícias em primeira mão.

Comente esta notícia

Algo errado nesta matéria ?

Use este espaço apenas para a comunicação de erros