Uma das questões mais sérias, complexas e controvertidas da realidade brasileira, da mesma forma que também em vários países, é o endividamento público. Normalmente este assunto fica meio camuflado ou então é tratado apenas de uma forma contábil/financeira ou, quando muito, com alguns destaques econômicos e ideológicos.
Ernest Mandel, ao analisar esta questão, assim se expressou: “Todos os Estados capitalistas gastam mais do que recebem. Eis aí a origem da dívida pública de longo prazo, para a qual os bancos e estabelecimentos financeiros adiantam dinheiro a juros elevados a quem está em uma conexão direta e imediata, um laço diário, entre Estado e altas finanças”.
Na verdade, além de gastar mais do que arrecada, mesmo que a carga tributária seja enorme, como ocorre no Brasil, nos últimos anos, a dívida pública é o maior mecanismo de acumulação de capital através da transferência de renda da população que paga impostos para o setor financeiro nacional e internacional.
Este mecanismo muito bem articulado pelo Estado e seus agentes, a serviço dos grandes interesses econômicos e financeiros, complementam as demais formas de exploração do trabalhador através da extração da mais valia, e do povo em geral através da carga tributária, muita vezes potencializado pelo processo inflacionário que afeta muito mais as camadas pobres da sociedade.
Os números relativos ao endividamento público (dívidas interna e externa) são incongruentes e existem diferentes cifras, dependendo das fontes de consulta, até mesmo entre as fontes ditas oficiais.
Não foi sem razão que a Assembléia Nacional Constituinte, ao aprovar o Ato das disposições Constitucionais transitórias determinou o seguinte: “Art. 26. No prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de Comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro. § 1º - A Comissão terá a força legal de Comissão parlamentar de inquérito para os fins de requisição e convocação, e atuará com o auxílio do Tribunal de Contas da União.§ 2º - Apurada irregularidade, o Congresso Nacional proporá ao Poder Executivo a declaração de nulidade do ato e encaminhará o processo ao Ministério Público Federal, que formalizará, no prazo de sessenta dias, a ação cabível”.
Este mandamento constitucional jamais foi cumprido pelo Congresso Nacional, mas o dispositivo deveu-se ao “tamanho” e “peso” da dívida externa e da grande celeuma que a mesma provocava no meio político, econômico e social brasileiro naquela época.
A referida dívida, por todos os parâmetros utilizados, jamais acarretou um peso tão grande no endividamento público, principalmente na dívida interna, como nas últimas duas décadas tem se apresentado.
Em 1980 a dívida externa era de US$ 54 bilhões; no início do governo FHC era de US$ 142 bilhões, chegando a US$ 228 bilhões em 2002. Em dezembro de 2003, final do primeiro ano do Governo Lula, era de US$ 235 bilhões, e em dezembro de 2010, mesmo que o Governo Lula tenha feito muita propaganda relativa ao pagamento da dívida com o FMI, a dívida externa chegou a US$ 240 bilhões.
Enquanto o “peso” da dívida externa caiu em termos de percentual em relação ao PIB, ocorreu uma explosão da dívida interna, favorecendo a lucratividade dos bancos, já que as taxas básicas de juros (a chamada SELIC) no Brasil sempre foi uma das maiores do mundo, muito acima da inflação, tanto no Governo FHC quanto de Lula.
A título de combater e controlar a inflação, na verdade a política fiscal/financeira do Governo Federal ajudou o acúmulo do capital do setor financeiro. Nunca os banqueiros ganharam tanto como durante os Governos FHC e Lula.
Em 1994, a dívida interna era de R$ 153 bilhões; no início do Governo FHC, em 1995, passou para R$ 208 bilhões; ao final do Governo, em dezembro de 2002, havia atingido R$ 881 bilhões; Já no primeiro ano do Governo Lula chegou a R$ 913 bilhões, e em dezembro de 2010, final do Governo Lula, já estava em R$ 1,55 trilhão.
Para fazer face às diversas despesas e investimentos a União, os Estados e os municípios estabelecem e arrecadam impostos, taxas e contribuições. Isto é a chamada carga tributária e tem uma relação direta com o PIB, ou seja, quanto mais impostos o cidadão paga, maior será a transferência de renda da população para o Governo e deste para determinados setores da sociedade, através das várias políticas públicas. Por exemplo, a população mais pobre “recebe” determinados “benefícios” como bolsas, vales, sacolões, remédios, e outros serviços públicos gratuitos como educação, saúde, saneamento, e assim por diante. De outro lado, os setores mais ricos (os empresários) também recebem favores do Governo através de um sistema tributário regressivo, subsídios, juros sobre créditos e empréstimos abaixo das taxas de mercado, anistias fiscais e tributárias, passividade frente à sonegação, e assim por diante.
A evolução da carga tributária no Brasil também é enorme. Em 1950 a carga tributária era de 14% do PIB; passou para 17% em 1960; para 26% em 1970; para 24% em 1980; para 28% em 1990; atingindo 36,5% no final do Governo FHC, em 2002; passando para 38,8% em 2006, caindo para 35,1%, no final do Governo Lula, em dezembro de 2010.
A voracidade do fisco, vale dizer do Estado, parece que não tem limites. Costuma-se dizer que em um ano, cada trabalhador entrega ao Governo cinco meses do que ganha. Mas apesar desta enorme sangria a que é submetido o povo brasileiro, nem mesmo assim o Governo consegue pagar seus compromissos, e a dívida pública aumenta todos os anos, apesar do chamado superávit primário - parcela do orçamento que é destinada para amortização e pagamento de juros e demais encargos da dívida pública.
Para se ter uma idéia do tamanho desta ciranda do endividamento público, verifica-se que durante os oito anos do Governo Lula foi pago, somente a título de juros sobre a dívida, a bagatela de R$ 1,25 trilhão. Entre juros, amortização e outros encargos, em 2010 o Governo Federal gastou 44,9% do orçamento, ou seja, a importância de R$ 635 bilhões, enquanto que para a educação foram destinados 2,9% do orçamento federal; para a saúde 3,9%; para a assistência social 2,7%; para o saneamento 0,04%; para a ciência e tecnologia 0,38%; para a previdência 22,1%.
Com o governo Dilma a situação permanece igual, e não poderia ser diferente, já que o povo a escolheu porque seria a continuidade do Governo Lula, uma espécie de carbono do que foi também o governo FHC.
Em janeiro de 2010 o Governo federal gastou R$ 14,1 bilhões com pagamento de juros sobre a dívida pública, e em janeiro de 2011, já no Governo Dilma, este valor passou para R$ 19,3 bilhões, importância maior do que o orçamento do programa bolsa família para o ano inteiro de 2011.
Analisando esses números podemos identificar onde estão realmente as prioridades do atual governo, e também a dos anteriores. No discurso, principalmente nos palanques e durante as campanhas eleitorais, o povo, principalmente as camadas mais humildes, é a prioridades. Mas, examinando o orçamento da União e também dos Estados e Municípios, parece que isto é uma grande balela.
Para finalizar, gostaria de referir o que consta do artigo de Fábio Marville Bueno, professor da UNICAMP, em 2007: “A dívida pública tornou-se um dos pilares da dominação burguesa no novo período de acumulação brasileiro, iniciado em 1990”. Acrescento eu: aprofundado durante os Governos FHC, LULA e Dilma. Precisamos re-colocar esta questão na agenda política, econômica e social pela importância e pela gravidade que a mesma representa na atualidade brasileira.
(*) JUACY DA SILVA é professor universitário titular e aposentado UFMT, Ex-Ouvidor Geral de Cuiabá, Ex-Diretor da ADUMAT e mestre em sociologia. Email [email protected]
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