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Este artigo resume a nossa inquietação diante de algumas transformações de ordem estritamente mercadológica na grade matinal de parte da televisão aberta do Brasil. Há pelo menos uma década a audiência televisiva da manhã da TV aberta tem se deparado com uma série de reordenamentos cruciais nos espaços antes essencialmente reservados aos programas infantis e desenhos animados. Houve um aumento e segmentação de determinados gêneros televisivos, isto é, formatos de programas, em detrimento do desaparecimento gradativo de outros.
Os desenhos animados, os seriados e programas infantis, consagrados de maneira prosaica ao longo da história da televisão brasileira no período matutino, vide o sucesso excludente das apresentadoras Xuxa Meneghel e Angélica ante a geração de crianças dos anos 80 e 90, vêm sofrendo diretamente com o crescimento sorrateiro dos formatos de programas-revista, caracterizados por conteúdos voltados para as necessidades do cotidiano doméstico.
Esses programas do lar geralmente são conduzidos por apresentadores carismáticos e identificados com o público feminino. Muitos ex-modelos, outros jornalistas em transição profissional ou “crise identitária”, e alguns pseudo-apresentadores. No design dos cenários desses programas do lar, bastante decorativos e familiares, sugerem-se um modo de vida contemporâneo senão surreal, que é formatado após uma criteriosa pesquisa qualitativa em alguns condomínios da zona sul do Rio de Janeiro. Enquanto a direção e os conteúdos desses programas confundem-se entre informação de utilidade pública e mensagens de alto teor persuasivo, em especial, quando se alude os descabidos merchandisings protagonizados muitas vezes por atores semi-profissionais, senão com algum grau de parentesco com um dos responsáveis da emissora.
Da rede Record, temos o programa matinal Hoje em Dia, que se utiliza integralmente dessa faixa de horário com quadros de culinária, entrevistas com celebridades e merchandising de profissionais e atrações da própria emissora. Na rede TV também não é muito diferente do programa exibido pela emissora do bispo Edir Macedo, só que com um diferencial: mais doses homeopáticas de sensacionalismo. O programa Manhã Maior desfila uma gama de atrações “espetaculosas”, assim sintetizadas numa cobertura evasiva da vida de celebridades e da exibição de quadros aparentemente utilitários para a dona de casa. Eu disse aparentemente. Na Globo, emissora da família Marinho-Kane, talvez o caso mais emblemático dessa nova fase observada entre as grades matinais da TV aberta brasileira. A TV Globinho, uma versão “maltratada” da antiga TV Colosso, logo foi substituída pelo recém-lançado programa Encontro com Fátima Bernardes, como reflexo de uma maior aproximação da sua grade matinal com o público mais adulto em detrimento do segmento infantil.
Dessa equação mercadológica, desenhos animados, seriados e programas infantis, que fizeram parte da infância de relevante parcela das gerações de ontem, perderam força para a capacidade de venda e de merchandising dos programas de debates, de fofocas e utilitários para o lar. O SBT, umas das poucas emissoras ainda remanescentes em se tratando de manutenção da grade infantil no período matutino, tem a sua credibilidade questionada devido às suas constantes oscilações de horários de exibição dos programas, vide o humorístico Chaves.
Além de uma orientação de marketing televisivo, essas transformações atestadas prescrevem a subvalorização do infantil na atual conjuntura da TV aberta no Brasil e, principalmente, – ao trazer em pauta o que se tem discutido a cerca da Democratização da comunicação no Brasil –, colocam em xeque o papel de televisão quanto veículo de concessão pública frente às pressões do capital econômico.
Também seria ingenuidade não relevarmos que hoje a internet já se firmou entre as crianças de 8 a 12 anos como principal fonte de informação e de formação humana. E que as modificações em andamento na grade matinal sejam refratárias de um status quo já vigente há pelo menos duas décadas, isto é, desde a popularização e a subsequente massificação do computador na maioria dos lares brasileiros.
Diante disso, optamos por finalizar nossa breve reflexão com algumas inquietações: 1) até que ponto as razões econômicas podem preterir a garantia de uma programação comprometida a atender todas as faixas etárias, independente do potencial de consumo dessas? 2) Onde fica o direito de informação e lazer do público preterido dessas mudanças estratégicas? 3) Por que os desenhos animados perderam o seu espaço cativo na TV aberta? 4) Em que medida essas transformações atestam o desinteresse das crianças pela televisão em relação ao crescimento do uso da internet, víde o consumo exorbitante de tablets nas lojas infantis? Ou estão para prescrever e sobredeterminar novos hábitos midiáticos entre essas crianças?
(*) LAWRENBERG ADVÍNCULA SILVA é professor do curso de jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT.
(*) LETÍCIA MEZZALIRA é aluna do curso de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT.
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