Eduardo Alves da Costa, na década de 60, escreveu “No caminho com Maiakovski”: (…) Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor / do nosso jardim. / E não dizemos nada. / Na segunda noite, já não se escondem; / pisam as flores, / matam nosso cão, / e não dizemos nada. / Até que um dia, /o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / conhecendo nosso medo, / arranca-nos a voz da garganta. / E já não podemos dizer nada. (…). Em 1 de abril de 1964, os militares, alguns governadores e outros políticos de direita, além das classes dominantes do Brasil, orientados pela CIA, infligiram à nação brasileira o Golpe de 64 e uma ditadura que durou 21 anos. Com algumas particularidades, o 8 de janeiro foi uma tentativa de Golpe frustrada.
Em agosto de 61, o presidente Jânio Quadros, por meio de um bilhete, renunciou à presidência da república; o vice, João Goulart, estava na República Popular da China; voou para os Estados Unidos para viabilizar sua posse, mesmo porque os militares e a elite político-econômica deste país não o via com bons olhos. Conseguiu assumir; todavia, o sistema presidencialista foi substituído pelo parlamentarista. Em 6 de janeiro de 63, um referendo, apoiado por quase 77% dos eleitores, devolvia a Goulart os poderes do presidencialismo: “ameaça comunista” era uma realidade; a partir disso, a CIA, os presidentes Kennedy e Johnson, a alta cúpula das Forças Armadas e a “Faria Lima de 60” passaram a conspirar contra Jango e suas Reformas de Base (agrária, educacional, eleitoral, urbana, administrativa, tributária, bancária e cambial) e fizeram com que tanto trabalhadores e suas entidades quanto patronato, religiosos conservadores e seus aliados se mobilizassem (Comício da Central do Brasil x Marcha da Família com Deus pela Liberdade). As manifestações da Direita, longe de serem autóctones; eram urdidas pelo Capitólio e a embaixada estadunidense no Brasil como comprovam mais de 60.000 documentos produzidos por órgãos do governo dos Estados Unidos. Assim, os EUA, os militares, políticos, líderes religiosos e a sociedade civil conservadora impuseram à maioria da população uma ditadura que se perpetrou por 21 anos.
Em outubro de 22, no 2º turno, Lula vence Bolsonaro com uma diferença de menos de 1%: “estava solta a cachorra” (Face a Face – Sueli Costa e Cacaso); como em 64, o clã Bolsonaro e seus séquitos questionavam as urnas eletrônicas, urravam por voto impresso e disseminavam Fake News para desestabilizar a incipiente democracia brasileira e não deu outra: os portões dos quartéis foram tomados por militantes, rodovias fechadas, passeatas, buzinaços etc., culminando com o quebra-quebra de 8 de janeiro e seus desdobramentos. Apesar do hiato de 60 anos, tentou-se reproduzir as mesmas condições que levaram ao atentado à democracia naquele ano; felizmente, nem USA (que em 64, planejou a operação “Brother Sam”) nem a alta cúpula da caserna se dispuseram a aderir à estupidez de abolir o Estado Democrático de Direito; afinal, a “Guerra Fria” terminara em 1991.
Se 1964 e 2024 são faces da mesma moeda; as condições objetivas são distintas: em 64, a “ameaça” comunista materializou-se com a Revolução Cubana (1959); a Guerra do Vietnã (1955 – 1975) refletia a disputa entre USA e URSS (Guerra Fria); a União Soviética (Sputnik) saíra à frente dos Estados Unidos na “corrida espacial” etc. Em 24, a conjuntura era oposta: mundo multipolar, blocos econômicos independentes, prevalência de regimes democráticos e divulgação de fatos em tempo real. Não havia terreno fértil para outra “Guerra dos Mil Dias”, muito menos para outro “Massacre das Bananeiras” (Cem Anos de Solidão – Gabriel García Márquez).
Então, cantemos o uruguaio Taiguara (1945 – 1996): “E que as crianças cantem livres sobre os muros /
E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor /
E que o passado abra os presentes pro futuro / (...)”.
(*) SÉRGIO CINTRA é professor e está servidor do TCE-MT.
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