Meu filho tem quatorze anos e faz o nono ano do ensino fundamental. Estávamos na cozinha de casa conversando e ele me disse que haverá um debate na sua escola sobre a “Era Vargas”. A turma dele poderia defender (sustentar os pontos positivos) ou atacar (sustentar os pontos negativos) daquele controverso personagem da nossa história. E perguntou-me se eu poderia ajudá-lo, já que ele queria se sair bem nesta atividade.
Meu filho sabe que eu trabalho com consultoria de marketing político e que há décadas preparo profissionalmente candidatos e líderes para entrevistas, sabatinas e debates. Entendi que aquele momento seria interessante para mostrar, de forma bem didática, um tipo de conhecimento muito útil, mas que não está disponível em quase nenhum lugar, e que não se aprende na escola.
Em primeiro lugar, perguntei se ele já sabia quais iriam ser as regras do debate. Vai aí um primeiro ensinamento: quem domina as regras, domina o jogo. É fundamental entender a moldura do debate, o que cada um dos contendores pode ou não fazer, se existem tempos pré-determinados para perguntas, para respostas, se estão previstas réplicas ou tréplicas ou se haverá uma estrutura mais livre? Conhecer bem o que pode e o que não ser feito é essencial; a pior coisa é ser surpreendido no meio do jogo por desconhecimento das regras.
Segundo ensinamento: pesquise. Para se sair bem em qualquer debate, o essencial é a preparação. Invista pesado na preparação. Busque informações sobre o tema do debate. Se o que será tratado é a Era Vargas, você tem que saber o máximo possível sobre o seu tema (claro que, neste caso, no nível do nono ano do fundamental).
Saber todas as fases, o contexto histórico, os principais acontecimentos, as datas mais marcantes, conhecer os atores, suas realizações etc. Ou seja, ter uma visão panorâmica do período, sem tomar partido de nada, sem ainda identificar os pontos fortes ou fracos. Listar e estudar tudo. O ideal é estar preparado para todas as eventualidades e situações possíveis, por isso a preparação precisa ser exaustiva. Em um segundo momento é hora de sistematizar o material e estruturar os argumentos.
Uma boa forma de organizar o raciocínio é formular perguntas e respostas, réplicas e tréplicas.
Terceiro e fundamental: treine, treine, treine. Temos a tendência de achar que os grandes debatedores já nasceram assim, tem um dom. Grande engano. Os melhores, com certeza, são os que mais se preparam. Eles se esforçaram muito para serem grandes debatedores.
Escreveu Sun Tzu na Arte da Guerra: “O general que vence uma batalha fez muitos cálculos no seu tempo, antes de ser travado o combate. O general que perde uma batalha fez poucos cálculos antes. Portanto, fazer muitos cálculos conduz à vitória e poucos, à derrota.”
Treinamento é tudo para se obter uma grande performance em um debate. Sempre digo para meus clientes, o treino precisa ser muito mais duro do que o jogo. Se o treino for duro o suficiente não haverá grandes surpresas no jogo. Quem entra em uma luta despreparado e sem treinar, já tem meio caminho para a derrota.
Neste momento apresentei para o meu filho uma técnica pouco conhecida, até mesmo nos meios especializados: o Steelmanning. É um exercício de elaborar a versão mais forte do argumento do adversário. O objetivo é pensar qual seriam os argumentos mais poderosos do nosso oponente e quais seriam as abordagens mais inteligentes que ele poderia utilizar para defender sua posição. Ou seja, o exercício é se colocar no lugar do outro e tentar pensar como ele pensaria. O Steelmanning permite que tenhamos uma visão abrangente e multifacetada das possibilidades do debate, abordar previamente todos os argumentos e contra-argumentos que possam surgir. A ideia é preparar-se para lidar com o pior que seu oponente poderá usar
contra você para “não ser pego de calça curta”.
Com isso, criamos intimidades com os pontos fortes e fracos do tema a ser discutido. Estaremos preparados para o que der e vier.
Aproveitei essa dica para falar um pouco para o meu filho sobre a verdadeira natureza do debate. Podemos compará-lo com um jogo tendo como referência uma área da ciência política denominada Teoria dos Jogos. Debate é um jogo em que dois ou mais contendores interagem, sem conhecer o que os outros vão fazer (existe incerteza e informação incompleta) e o desempenho de cada um depende das ações e reações dos outros (interdependência). A lógica é pensar o tempo todo no que vamos falar sempre considerando como o adversário deverá reagir. Neste jogo, o desfecho
depende dos lances sucessivos, das interações, dos jogadores. O plano de ação a ser seguido, baseado no cálculo de probabilidades de como os outros jogadores reagirão, é a estratégia. Neste sentido, o debate é um jogo de estratégia.
Foi, então, que meu filho me perguntou se ele não poderia treinar para o debate com seus colegas, fazendo uma espécie de simulação. Respondi que sim e que era exatamente assim que fazia com meus clientes-candidatos. São longas jornadas de simulações, de media training baseadas em dados, em informações.
Assim, chegamos ao quarto ensinamento: com base nas suas pesquisas, faça simulações. Alguém representa um lado, defende os pontos favoráveis e, outra pessoa, defende os pontos desfavoráveis. Essas simulações servem para avaliar e ajustar o material de pesquisa. Servem, também, para perceber se os argumentos estão encaixados quando falados dentro de um contexto de conflito. E com isso, conseguimos antecipar a situação do debate e diminuir o nível de ansiedade. Quando o debate real acontecer, já teremos antecipado e vivenciado previamente uma série de situações possíveis.
Contei para ele que uma vez fiz a campanha de um candidato a governador que, à época, tinha mais de oitenta anos. A dificuldade de guardar as perguntas, respostas e as estratégias construídas e combinadas era enorme. Acabamos que fizemos o seguinte, para facilitar a memorização, definimos uma única linha de perguntas e respostas. No final das contas, para onde fosse o debate, ele sempre iria para aquele lugar que era a sua zona de conforto. Essa simplificação foi essencial para o candidato conseguir ter uma performance razoável.
Por fim, terminamos nosso papo e senti que meu filho ficou entusiasmado. Disse que iria falar tudo aquilo para seus colegas, que iriam se reunir, fazer as pesquisas, marcar treinamentos, ensaios e simulações. Ele ficou com a certeza de que, com esses ensinamentos que só ele tem, vai arrebentar no debate.
E para concluir, falei para meu filho (quinto ensinamento): entre para o debate com o espírito de um guerreiro. Entre para matar! Afinal, a primeira batalha é mental. Vencemos antes o debate na nossa cabeça, vencemos a nós mesmos: nossas inseguranças, nossa timidez de falar em público, nossos medos de falhar na frente dos outros. Ao entrarmos no debate de cabeça erguida, com o espírito de um Samurai, com a certeza de que dominamos as regras, de que estamos preparados, temos um plano de ação, uma estratégia, de que sabemos o que vamos enfrentar e como vamos reagir, construímos nossa fortaleza, nossa base de segurança. Temos a certeza íntima que reunimos condições de fazer um combate seguro e eficiente, minimizando os riscos.
Esse é o caminho para a vitória!
(*) RODRIGO MENDES - Publicitário, sociólogo e cientista político, especialista em marketing, e mestre em Ciência Política pela UFMG. Foi professor da pós-graduação em Marketing Político – UFMG. Foi assessor de marketing da Prefeitura de Belo Horizonte e Secretário de Comunicação do Mato Grosso do Sul. Consultor dos Governos de Alagoas e Sergipe e das Assembleias Legislativas de MG e PB. Foi consultor do Tribunal Superior Eleitoral/TSE, de 2004 a 2010, sendo responsável pela Campanha Vota Brasil. Atuou em mais de 62 campanhas eleitorais em todo Brasil. Autor dos livros MARKETING POLÍTICO - O PODER DA ESTRATÉGIA NAS CAMPANHAS ELEITORAIS e coautor de MARKETING ELEITORAL: APRENDENDO COM CAMPANHAS MUNICIPAIS VITORIOSAS e do e-books NOVAS ESTRATÉGIAS ELEITORAIS PARA UM NOVO AMBIENTE POLÍTICO.
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