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Dificilmente, em qualquer situação, seja no efetivo exercício da atividade docente ou na paralisação, permanecemos indiferentes aos fatos que ocorrem em nosso derredor.
No momento da greve essa percepção deveria estar mais aguçada, visto que é tempo propício para refletir as relações sociais estabelecidas no cotidiano do trabalho. O que não ocorre.
Contudo, estamos preocupados com a valorização da docência, pois somos profissionais da educação e possuidores das competências necessárias para ensinar, o que parece não ser suficiente. Devemos entender e dar a entender aos outros, inclusive aos nossos gestores, que educadores/as precisam acreditar no belo, na utopia e na possibilidade de que a humanidade não permanecerá eternamente bestializada. Mas está difícil.
O tempo tem sido nosso maior inimigo. Vivemos com pressa, com peso e com o PIA nos ombros. Ninguém se enxerga, tampouco percebe que o outro/a, antes parceiro, vai se transformando em opositor de um pensamento construído coletivamente, comprovando a fragilidade das nossas relações. Estrategicamente os interesses políticos transformam os conflitos institucionais em confrontos pessoais, reafirmando a pesquisa realizada pela Profa. Dra. Margarida Barreto, da PUC de São Paulo que indica sérias dificuldades no dia a dia de nosso trabalho, e que “apesar do discurso forte de colaboração existente entre os docentes, predomina a Lei de Muricy (cada um por si)”.
Ainda assim, não negamos o conflito como mola propulsora das nossas realizações. É bom que exista, visto ser intrínseco à lógica da democracia. Anormal é o fenômeno que transforma tais conflitos em elementos desagregadores do projeto de uma universidade pública e de qualidade. Universidade que não mais conquista espaço político e autonomia, ao contrário, perde o pouco antes conquistado. Estamos reféns de órgãos que deveriam fortalecer o projeto de educação, mas que, incompreensivelmente, burocratizam as atividades e deliberam sobre questões que retiram a criatividade docente, delimitam as competências e impedem o pensamento critico.
O projeto governamental de universidade desconsidera que ensinar exige diálogo, paciência, tempo e reflexão.
Estudar, pensar e conhecer? De forma nenhuma. O governo brasileiro precisa de dados estatísticos emergenciais, e a nós cabe apresentar resultados através de um “lattes” de extensão métrica, ainda que ninguém conheça o resultado da nossa “valiosa” pesquisa. Importa que haja no currículo uma quantificação de atividades que possa ser pontuada nos diferentes e divergentes instrumentos de avaliação: Formulário Coletas, Avaliação MEC, Formulário para Progressão Funcional, Relatório de Estágio Probatório, etc.
Esta é a lógica do produtivismo, favorecedor da replicação de artigos, de produção coletiva questionável, e de possíveis e arriscados plágios. Jogo perigoso. É esse o profissional que desejamos ser? Devemos jogar com estas cartas ou demonstrar nossa convicção de que a “atividade docente exige liberdade e moralidade, e que não podemos produzir conhecimento na perspectiva do mercado”. Mesmo porque o mercado tem interesses pontuais apenas sobre algumas de nossas áreas de conhecimento. Estaria ele desejoso por financiar uma pesquisa que possa denunciá-lo como destruidor da fauna, da flora e da vida na terra? Ou que demonstre o nível de corrupção existente entre os políticos e empregadores na gestão dos recursos da Previdência Social? Certamente que não.
Os recursos para financiamento das nossas pesquisas devem ser públicos, pois desejamos investigar e conhecer em prol do bem comum. Não podemos ser coniventes, tampouco aliar-nos aos propósitos duvidosos do poderio econômico, alegando, em nossa defesa, a necessidade de complementar salário docente, que é o sexagésimo pior dentre os servidores públicos do executivo (anexo). Tenhamos em mente nosso projeto de sociedade e lutemos contra a tentação de realizar pesquisas encomendadas, com resultados certos e objetivos incertos.
Precisamos de liberdade e valorização. Não podemos esquecer que amanhã ingressaremos na lista de aposentados do Sistema Previdenciário, e que estaremos na condição de “seres sociais inúteis”, quase “vagabundos” conforme afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Nossa identidade será: beneficiários de proventos reduzidos e de necessidades aumentadas.
A “universidade da pressa” exige, agora, uma agilidade que consome nossa saúde. Fato é que estamos ansiosos, cansados, irritados, depressivos e entristecidos. E, ainda assim, ignorando o chamamento de nosso corpo e da nossa mente. O trabalho tornou-se ópio, pois ainda que estejamos adoecidos, não sentimos. Acordamos com dores, mal estares e indisposições, mas erguemos a cabeça, enxugamos as lágrimas e retomamos o nosso cotidiano laboral, pouco importando que tal reação resulte na degradação da aprendizagem, na desvalorização da instituição, e na destruição de nossa vida social útil.
Barreto, citada acima, revela que “está havendo uma deterioração da saúde mental dos professores em consequência das condições de trabalho. Na China há suicídios em consequência da jornada de 16 a 18 horas por dia”.
Eis, portanto, apenas alguns dos muitos fatores que nos levaram à greve, mesmo reconhecendo sua dureza e a força protelatória que exerce sobre os projetos de nossos alunos e familiares.
Para nós, a greve é, antes de tudo, um instrumento legítimo de defesa de direitos dos trabalhadores/as, e como tal deve ser fortalecida e não descartada, especialmente quando nos confrontamos com governos que não dialogam.
Devemos evitar que se repita o que aconteceu na Unifesp, onde “um professor se matou dentro da universidade e deixou uma carta denúncia em seu site: publicar ou perecer. Ele argumenta que, em 50 anos, tudo o que havia escrito estava apagado, indo para o lixo da história”. Lamentável.
Como demanda local precisamos refutar o PIA Eletrônico, a Resolução 158, e as distribuições de encargos que nos submetem à condição de máquinas. Plano individual de atividade que decreta o registro de apenas cinco dos nossos doze orientandos, que não garante horas necessárias à realização da pesquisa e da produção científica, e que marginaliza a extensão universitária, deve ser rechaçado antes que os conflitos inerentes ao trabalho se transformem em confronto e em destruição do nosso prazer de educar.
Importa, portanto, entender a greve como lugar do conflito e da negociação, enfatizando ainda sua função pedagógica.
(*) MARLUCE SOUZA E SILVA é Doutora em Política Social pela UNB e professora da UFMT.
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Nelson Viana 19/06/2012
Marluce, parabéns pela sua coragem em denunciar essa situação triste. Nós, como alunos Mestrandos em Política Social conhecemos sua luta e seu empenho para que a nossa UFMT possa dar um ensino com qualidade. Contudo, sabemos que isso não é possível, dadas as condições que você revela. Fomos uma das primeiras turmas a demonstrar que a greve, por mais incômodos que acarreta, continua sendo um dos mais fortes instrumentos de luta e só a ela, os poderosos se dobram. Estamos (estou) com vocês e sua fala é a mais pura realidade demonstrando sinceridade de propósitos, coragem e a manifestação ímpar da força e da sensibilidade feminina no trato com as coisas difíceis. (Olha estamos estudando, mas "perdidos entre as múltiplas visões de mundo" - precisamos de vocês para nos "achar").Esperamos que essa luta valha a pena para todos, e como Gramsci possamos perturbar "esses mesquinhos privilégios".
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