Um dos pilares do movimento bolsonarista sempre foi a exaltação da pátria. As cores e símbolos nacionais foram amplamente utilizados para reforçar a narrativa patriótica e a retórica do inimigo comum, resumida no lema “nossa bandeira jamais será vermelha”. Mas a cena registrada na Avenida Paulista neste 7 de Setembro mostrou uma contradição difícil de ignorar: manifestantes hastearam uma gigantesca bandeira dos Estados Unidos.
As referências norte-americanas não se limitaram à bandeira. Havia cartazes em inglês, manifestantes fantasiados de Tio Sam, outros usando chapéu do Pateta e até máscaras e balões da Minnie e do Mickey. A cena, ao estilo bem carnavalesco, destoava do discurso de nacionalismo verde-amarelo defendido ao longo dos anos.
É fato que líderes populistas frequentemente mobilizam símbolos e rituais para construir uma identidade de “nós contra eles”. No entanto, como destacam Cas Mudde e Cristóbal Rovira Kaltwasser (2017), a incoerência na escolha desses símbolos pode minar a narrativa e revelar contradições internas do movimento. O episódio da bandeira americana ilustra exatamente essa tensão: um gesto que deveria reforçar a identidade nacional acabou enfraquecendo a mensagem central do bolsonarismo.
O equívoco pode custar caro, pois fragiliza a narrativa patriótica que sustentou o movimento ao longo dos anos. Prova disso é que, nas redes sociais digitais, multiplicaram-se críticas e ironias à incoerência de um grupo que se afirma patriótico, mas que, no Dia da Independência, deu protagonismo a símbolos estrangeiros.
Os números confirmam o peso do erro. Dados da AP Exata – Inteligência Digital, com base em 27 mil publicações no X e no Instagram feitas no domingo (7), mostram que 69,4% das menções à presença da bandeira norte-americana no protesto foram negativas, contra 21,6% positivas e 9% neutras. O episódio extrapolou o ato em si e se transformou no enquadramento dominante.
O contexto atual das relações Brasil-EUA amplia ainda mais a contradição. Desde agosto, o governo de Donald Trump impôs uma sobretaxa de 50% sobre exportações brasileiras, medida que afeta 36% dos produtos enviados e já gera prejuízos bilionários à economia nacional. Em outras palavras, o país celebrado no ato busca atacar a soberania nacional que o grupo dizia defender.
O resultado é que a centralidade da bandeira estrangeira comprometeu o principal objetivo dos conservadores: ressaltar valores como liberdade, equilíbrio entre os poderes e confiança na democracia. A ostentação de símbolos norte-americanos ofuscou essa mensagem e deixou no ar uma questão que os idealizadores da “homenagem” deveriam refletir: em uma data que celebra a soberania nacional, que sentido há em colocar outro país no centro da cena?
(*) VANESSA MARQUES é jornalista, mestre em comunicação na Espanha, e atua há 20 anos na comunicação política, com 13 anos de experiência na Câmara dos Deputados. Mestre em comunicação na Espanha e pós-graduada em economia e ciência política.
Instagram: @vanessamarques.mkt
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br
Clique aqui e faça parte no nosso grupo para receber as últimas do HiperNoticias.
Clique aqui e faça parte do nosso grupo no Telegram.
Siga-nos no TWITTER ; INSTAGRAM e FACEBOOK e acompanhe as notícias em primeira mão.