Na Irmandade sempre é comentado que só se aceita a derrota total quando se chega a um fundo de poço. Mas esse fundo de poço é algo muito pessoal. Enquanto todo mundo que me conhecia bem achava que eu já tinha até ultrapassado o tal fundo de poço, eu considerava que ainda tinha muita lenha para queimar, a boa e velha negação. No meu caso pessoal este fundo de poço foi de caráter moral e aparentemente sem relação com o álcool.
Eu estava em uma chácara, na beira do rio Cuiabá, num ambiente familiar onde o consumo do álcool era aceito e até estimulado. Eu já estava bem alterado pelo consumo da tal substância, o álcool, e assediei uma menina de menor. Eu não falei nada ofensivo ou obsceno mas a menina se sentiu assediada pelo que veremos no decorrer da história.
Cerca de 15 dias após e sob efeito de uma ressaca colossal, estávamos discutindo lá em casa onde passaríamos o final de semana. Eram duas opções e quando foi citada a tal chácara na beira do Cuiabá eu falei: vamos para lá pois eu sabia que o álcool corria solto e eu poderia curar minha ressaca. Chegando lá comecei a cumprimentar todo o mundo educadamente, como de costume, e já me aproximava daquele antigo freezer cheio de latinhas de cerveja para pegar a primeira quando a tal garota apareceu e eu a cumprimentei e fiquei chocado com sua reação: na frente de todo mundo inclusive da minha filha que tinha uma idade semelhante à dela, ela falou: “com tarado eu não quero nada”.
Eu fiquei super envergonhado e não sabia o que fazer: se fosse embora ficava claro que tinha feito ou falado algo indecoroso e se ficasse lá ficava naquela situação que eu achava que estava sendo observado e julgado por todos. Eu desci para a beira do rio e fingia que estava curtindo a natureza mas não estava me sentindo tranquilo de jeito nenhum. Quando voltava lá para cima no entorno da casa um garoto com idade semelhante à da tal garota comentou: “eu pensava que você fosse um cara legal…”
O pai da menina, um cara de mais de 1,90 m de altura falou: eu conheço bem este fulano e ele é um cara muito legal, devia estar muito bêbado para agir assim, eu o perdoo. Depois de todo esse impasse resolvi junto com minha esposa irmos embora e sair daquele dilema. Chegando em casa ela me falou: segunda feira você tem que ir no AA. e eu aceitei que tinha que participar do Grupo. Na dita segunda feira peguei meu carro e desci para o grupo Central. Eu achava, na minha paranoia, que era o centro das atenções. Quando parei num sinal de trânsito eu imaginei que as duas mulheres num carro ao lado comentavam: você está vendo esse aí no carro ao lado? ele está tão louco que só o AA dá um jeito nele.
Quando cheguei próximo ao grupo um funcionário da minha empresa passou dirigindo e eu imaginei que ela estava lá para me fiscalizar. Mas apesar de toda essa história fui à reunião, sentei-me na cabeceira de mesa e falei do fundo do meu coração que eu era um alcoólatra e pude começar minha lenta recuperação que venho tentando até hoje. Por isso, apesar de todo incômodo moral que passei naquele sábado, naquela chácara, agradeço a Deus este meu fundo de poço sem o qual estaria bebendo até hoje ou até já teria morrido.
(*) JAQUES é nome fictício em respeito à Tradição de Anonimato.
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