Em tempos de crise ética e descrédito institucional, é comum ver políticos vangloriarem-se de algo que deveria ser pressuposto: “sou honesto”, “não sou corrupto”, “nunca roubei”. O problema é que, sob a luz da filosofia moral e da sociologia, tais declarações não carregam nenhum mérito. Pelo contrário: revelam o esvaziamento dos princípios fundamentais da vida pública e a tentativa de transformar obrigações éticas em capital político.
A filosofia, desde Aristóteles, entende que a virtude não está no cumprimento do mínimo, mas no exercício contínuo da excelência moral. Para Kant, a ética repousa no dever, no imperativo categórico que exige agir de acordo com princípios universais, independentemente de interesses pessoais. Assim, não roubar, não desviar recursos, não se corromper não são gestos de nobreza: são obrigações que derivam diretamente da moralidade e da vida em sociedade.
Quando um político afirma que é “honesto” como se fosse um mérito, revela a falência do horizonte ético da política. Pois, em uma sociedade justa, a honestidade não deveria ser propaganda eleitoral, mas pressuposto inegociável do exercício da função pública.
A sociologia mostra como sociedades em crise tendem a banalizar os princípios. Durkheim já alertava que, quando a anomia, a ausência de regras morais sólidas se instala, os indivíduos passam a buscar reconhecimento em virtudes fictícias ou distorcidas. Nesse sentido, o discurso político da “honestidade como mérito” é apenas um reflexo dessa anomia: o que deveria ser regra se transforma em exceção a ser celebrada.
Esse deslocamento é perigoso porque reduz a ética a marketing e transforma a moral em slogan. Um candidato que exalta sua “não corrupção” não diz nada sobre suas virtudes reais, mas apenas sobre sua adesão ao mínimo necessário para não ser criminoso. É como se um médico anunciasse com orgulho: “nunca matei um paciente intencionalmente”. O óbvio não é virtude; é obrigação.
Na vida pública, a ética exige mais do que a ausência de crime. Exige compromisso ativo com o bem comum, responsabilidade na gestão, transparência, zelo pelo patrimônio público e solidariedade com os mais vulneráveis. O verdadeiro político virtuoso não é aquele que proclama sua inocência, mas aquele que age de modo a transformar a sociedade positivamente.
Arendt lembrava que a política deveria ser o espaço da ação e da liberdade, não da autopromoção vazia. Quando se reduz a palavra “honestidade” a um título honorífico, destrói-se o sentido da política como prática coletiva e ética.
Não há mérito em não roubar. Não há glória em não se corromper. Esses são princípios, e como princípios são obrigações mínimas. O político que precisa proclamar sua “honestidade” deveria, na verdade, sentir vergonha, porque revela que a régua da vida pública brasileira está tão baixa que se transformou em virtude aquilo que deveria ser apenas o chão da convivência democrática.
O verdadeiro mérito político não está em “não cometer crimes” "A honestidade é um dever, não uma virtude." Immanuel Kant. O verdadeiro mérito político é servir, transformar, proteger e construir. Tudo o mais é engodo moral, fachada para um vazio de ideias e de compromisso com o povo.
(*) JOÃO EDISOM DE SOUZA é Analista político e professor universitário.
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