Com quase 40 anos dedicados ao serviço público, Adenir Alves da Silva Carruesco se tornou, no final do ano passado, a primeira desembargadora negra de carreira a presidir o Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT-MT). No entanto, o feito da magistrada não reflete o que apontam os números. Dados da Pesquisa sobre negros e negras no Poder Judiciário, publicada em 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostram que a proporção de mulheres negras atuando como magistradas é bastante aquém da participação delas no conjunto da população brasileira: apenas 11,1% das ministras das cortes superiores; 12,1% das desembargadoras e 11,2% dos juízes titulares.
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Ao HNT, a desembargadora contou que seus pais são de origem humilde, ambos analfabetos, mas sempre se esforçaram para a filha poder ter uma boa educação.
“Minha mãe e meu pai faziam qualquer sacrifício naquela época para que eu tivesse a oportunidade de estudar e ter uma vida diferente da deles, que eram lavadores, tinha uma vida muito difícil. Meu pai trabalhava primeiro nas lavouras, depois, ele trabalhava na indústria madeireira, puxando madeira com a mão”, contou em entrevista exclusiva ao HNT.
Adenir passou em seu primeiro concurso ainda aos 18 anos, ingressando na Justiça estadual de Mato Grosso do Sul. Ali, a jovem se apaixonou pelo sistema judiciário e decidiu cursar Direito. Posteriormente, Adenir prestou concurso para escrivã.
“Nesse outro concurso que fiz, foi para escrivã, comecei como escrevente na cidade de Naviraí [MS], passei para escrivã na cidade de Dourados e, lá, eu trabalhava durante o dia e fazia a faculdade à noite. Durante a faculdade, eu já pensava na carreira jurídica. No começo, não estava tão bem definido exatamente qual era o ramo por onde eu iria, mas já comecei a me inclinar pela magistratura”, contou a presidente do TRT.
Para a desembargadora, a virada de chave de sua vida aconteceu ainda na adolescência, quando ela começou a praticar esportes, com foco no vôlei. Segundo ela, o esporte a ensinou muito sobre a autoestima, perder e ganhar.
“O esporte ensina e traz lições preciosas, aquela lição de cair, levantar, que você vai perder e ganhar. Você trabalha com frustrações, você ser determinado, você saber que o seu sucesso depende de você, a sua competência, a sua determinação, a sua garra. Então, o esporte traz várias lições que você traz para a vida”, disse.
Desde muito cedo, Adenir sempre sofreu com o racismo, mas um episódio em específico a marcou muito, quando ainda, aos 8 anos, ela teve que lidar com o preconceito de um colega de escola e de sua professora.
“Durante a minha infância, passei por cenas de racismo terríveis, inclusive por pessoas que deviam me proteger. Passei quase 30 anos sem mencionar essa história para ninguém e a primeira vez que contei foi quando fui promovida à desembargadora e eu conversei com os meus servidores lá de Rondonópolis, porque era uma história que eu havia deixado esquecida num canto. Falei que naquela época que aconteceu, eu já tinha chorado todas as lágrimas, que não choraria nunca mais por conta disso. E aí foi uma questão de endurecer o ‘couro’ e entender que sou eu por mim mesma, meus pais e as pessoas que me amam. A sociedade não vai mudar tão rápido, quem tem que mudar sou eu”, relembrou Adenir.
Ainda sobre racismo, a desembargadora disse que sofreu um episódio em Rondonópolis ao ser assaltada por dois homens que queriam levar o seu carro.
“Fui assaltada em Rondonópolis, chegaram dois moços com uma motocicleta e uma arma e anunciaram que era um assalto. Eu joguei a bolsa, mas com a bolsa caiu a chave do carro, e eles perguntaram ‘qual é o carro da senhora?’ Mostrei qual era o carro e um deles foi lá, mas não conseguiu ligar o carro e voltou, ele queria que eu fosse até o carro e eu falei: ‘olha bem para mim. Você acredita que aquele carro é meu? Aquele é da minha patroa’. Ele [assaltante] olhou bem para mim, concordou comigo e foi embora”, lembrou a presidente do TRT.
Nos tribunais, Adenir relatou que nunca sofreu nenhum tipo de discriminação, mas lembrou que quando chegou ao TRT, sentiu-se sozinha, pois era a única mulher negra.
“Eu sempre me senti pertencente, é um ambiente saudável aqui no tribunal. E como percebo o racismo que existe aqui no tribunal? E eu não posso dizer que não existe. Eu percebo porque cheguei sozinha. Percebo porque entrei aqui como a primeira e única juíza preta, negra concursada. Até hoje, não existe nenhuma outra juíza preta aqui dentro. Nós temos negra parda, agora negra retinta, de pele preta como a minha, eu não encontro outras magistradas aqui no Tribunal. Isso revela um racismo estrutural que ainda predomina no Brasil”, terminou.
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