Steffano Scarabottolo |
Estava fazendo a barba com a porta do banheiro aberta para ouvir o noticiário local da televisão, quando a apresentadora do programa informou que em Rondonópolis há muito tempo falta rabecão.
Fui ao quarto acompanhar a notícia para não perder nenhum detalhe, pois não são todos os dias que somos brindados com matérias tão sensacionais.
Para quem não sabe, Rondonópolis é a cidade mais importante do sul mato-grossense. Possui ensino superior há mais de trinta anos, uma economia fortíssima e um pólo importante de cidades do agronegócio.
É uma cidade linda e rica, com um povo trabalhador.
Rabecão é um furgão que transporta cadáveres. O responsável por esse humano serviço de recolher corpos encontrados, muitas vezes, em estado de putrefação, disse que há oito meses o único rabecão da cidade está com problemas mecânicos, e na oficina, sem prazo de alta.
Todos os estudantes de medicina, no seu primeiro dia de aula, aprendem a oração do cadáver desconhecido e a respeitá-lo.
Quantos avanços da medicina foram conseguidos graças aos estudos no cadáver desconhecido!
É inaceitável que em uma cidade civilizada, com vida universitária e residência de políticos importantes, não se dê atenção ao cadáver desconhecido.
Falamos muito e fazemos pouco. Um rabecão, além de custar bem menos que a decoração de uma Avenida no Natal, reflete aquilo que somos.
Não adianta a chegada triunfal de alguém fantasiado de Papai Noel despencando cheio de presentes de um helicóptero, e correndo o risco de pousar em cima de um cadáver por falta de um rabecão.
Será que Rondonópolis não merece receber a atenção do governo através de um simples rabecão?
É a grande oportunidade para agora, na folia do Papai Noel, corrigir este ato desumano, que todo o Estado tomou conhecimento pela televisão.
Respeitemos os nossos mortos, especialmente aqueles desconhecidos!
(*) GABRIEL NOVIS NEVES é médico, professor fundador da UFMT e colaborador de HiperNoticias. E-mail: [email protected].
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