Movido pela vontade de se tornar um exemplo para a comunidade onde vive, Tales Cauim de Oliveira Aires, de 22 anos, viu seu sonho ficar mais próximo em março de 2016. Morador do bairro Glória, na Zona Sul de Porto Alegre, ele foi aceito pela universidade do Algarve, em Portugal, por meio da nota alcançada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Agora, inicia a batalha para conseguiur bancar a viagem e os estudos.
As aulas começam em setembro deste ano. Até lá, Tales precisa arrecadar R$ 8 mil para passagem, estadia e alimentação. Pensando nisso, criou uma 'vaquinha' na web, onde as pessoas podem fazer doações e ajudá-lo a ingressar no curso de serviço social fora do país. O jovem mora com a mãe, que por problemas de saúde está afastada pelo INSS, e o padrasto, que faz bicos como pedreiro.
Na página, ele faz um apelo: "Gostaria de saber se tu poderia ajudar um rapaz da favela a estudar na Europa. Sei que tem pessoas que precisam muito mais do que eu por aí, mas dessa vez as coisas estão brilhando pra mim e não custa tentar, né?", escreveu Tales na descrição da 'vaquinha'.
Apesar de acreditar no potencial da campanha, o jovem diz que não quer depender, exclusivamente, da generosidade alheia. Por isso, sua rotina começa cedo. A primeira coisa que faz quando acorda é procurar vagas de emprego na internet e mandar currículos. À tarde, prepara sanduíches que são vendidos à noite na faculdade Uniasselvi, no Centro da capital, onde já cursa o terceiro semestre de serviço social através de bolsa.
Segundo colegas, Tales é destaque na sala de aula. "Admiro muito a batalha dele, é extremamente dedicado e esforçado. Sabemos que ele vem de uma comunidade carente. É uma vitória como brasileiro e como negro", comemora a colega de curso Márcia Fontoura Souto, 37. E é com a ajuda de Márcia que o jovem passa nas salas para oferecer os lanches.
O estudante vende cerca de 20 sanduíches por noite, a R$ 3 e R$ 4 - quando o pão é integral. Tales conta que essa renda é suficiente apenas para seu sustento e, por isso, está a procura de um emprego formal. "Não consigo economizar para a viagem", lamenta.
Experiência é o que não falta ao jovem, que já trabalhou como garçom, porteiro, segurança, atendente de loja, com telemarketing, entre outras funções. O último trabalho foi como atendente em uma cafeteria. Houve um período em que chegou a acumular dois empregos. "Saía às 8h e só chegava à meia-noite em casa", lembra.
A carga horária do trabalho não deixava espaço para os estudos. Tales parou de estudar no primeiro ano do Ensino Médio. Mas algo o deixava inquieto. "O que me motivou a fazer a inscrição no Enem foi a questão de eu estar ficando velho e não ter acabado o Ensino Médio. Eu tava quase com 21 anos", conta.
A nota obtida no exame foi suficiente para que ele recebesse o certificado de conclusão do Ensino Médio e ganhasse a bolsa na universidade onde estuda atualmente em Porto Alegre. "Fiquei surpreso. Me considero inteligente, mas não sabia que chegaria a tanto", confessa.
O desejo de ir além fez com que Tales tentasse a vaga no exterior. A escolha por Portugal foi pela semelhança do idioma. "Um diploma europeu tem muito valor, ela está entre as 100 universidades mais importantes do mundo e para o meu curriculo vai ser muito bom", aposta.
'Quero ser exemplo', diz jovem
O sonho de se tornar assistente social surgiu ainda na infância. Quando tinha 11 anos, Tales tinha acompanhamento de uma assistente social, já que a família dependia de programas do governo para o sustento. Era a profissional que indicava cursos e oficinas para preencher o tempo do menino. "Se não fosse isso, eu teria tomado o outro rumo", prevê.
Tales é exceção à regra do bairro onde mora. Ele conta que entre seus amigos da vizinhança, a maioria não chegou a concluir o Ensino Médio. "É uma comunidade bem carente. Ou estão nas drogas, ou desempregados. Não queria ser mais um morto pelo tráfico, ou acabar na cadeia", desabafa.
O estudante vive com a mãe, o padrasto e uma irmã mais nova de 12 anos. Além do valor que recebe com a venda dos lanches, o padrasto faz bicos como pedreiro.A mãe recebe um auxílio-doença do INSS. A família também não chegou a concluir os estudos e nem imaginava que ele poderia ir tão longe. "Todo mundo é muito pé no chão aqui, eu que sou sonhador. Nunca aceitei o sistema que me foi imposto", orgulha-se.
Hoje, ele é motivo de orgulho para a comunidade e já traçou planos para o futuro. "Pretendo voltar ao Brasil para trabalhar com ONGs ou programas governamentais. Quero ser exemplo", planeja Tales.