A mestra da cultura popular e liderança religiosa Maria José da Silva Matos (1939-2024), fundadora do Centro Espírita Pai Jeremias (CEPJ), casa de Umbanda mais antiga da Baixada Cuiabana, ganha um sensível registro audiovisual em sua memória. Dirigido pela cineasta Jade Rainho, o documentário de curta-metragem ‘Vó Maria’ apresenta reflexões e ensinamentos de uma vida dedicada à espiritualidade, a partir de uma narrativa poética e intimista.
O filme é um encontro da diretora Jade Rainho com Vó Maria durante os últimos anos de vida da homenageada. O processo de realização do projeto e o resultado final, por sua vez, foram profundamente marcados pela passagem da Vó, em 28 de setembro de 2024, aos 85 anos de idade.
“Vó Maria fez a sua passagem durante a produção do filme, o que o levou para um lugar ainda mais íntimo, mais conceitual e puro da criação”, revela Jade. “Sinto que o filme tem muita arte, muito sentimento, muita emoção. E acho que assim ele pode chegar no coração das pessoas, aproximar e desfazer preconceitos”, afirma a diretora.
Jade recebeu a obra como um chamado, e a encarou como missão. “Sou uma pessoa bastante sincrética, sinto que meu trabalho sempre foi muito atravessado pela espiritualidade. E quando eu conheci a Vó Maria, ela me acolheu com toda sua generosidade, como se já estivesse esperando para me receber. Na época, a saúde da Vó já estava bem debilitada. Ela se deslocava apenas do terreiro para o seu quarto, na casa ao lado onde morava”, conta.
Nesse contexto, o filme se desenvolve em diálogos e entrevistas com Vó Maria, na imersão em rituais e no acompanhamento da rotina da Casa. Mesmo com o corpo físico fragilizado, a Mãe de Santo ainda seguia realizando diariamente os atendimentos às pessoas que buscavam por cura e orientação espiritual, sendo muito zelada pelos filhos da comunidade.
Uma das pontes entre Vó Maria e Jade Rainho foi Henrique Santian, com quem a documentarista divide a Direção de Fotografia em ‘Vó Maria’. Uma parceria que se estende de CACICA – a força da mulher Xavante (2022), projeto audiovisual da musicista Estela Ceregatti, também dirigido por Jade. No novo trabalho, Santian contribuiu com a realização da proposta imersiva e espiritual da diretora para a fotografia do filme, que possibilita ao espectador a vivência de um terreiro e seus rituais.
Este projeto foi realizado com o fomento da Lei Paulo Gustavo, no âmbito do Edital 002/2023/SMCEL/FMC – Fornada – Fomento Direto a Produções Audiovisuais, Capacitações, Composição de Acervo e Pesquisas, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Lazer de Cuiabá, Ministério da Cultura (MINC) e Governo Federal, e do Edital 14/2023/SECEL – Fomento Audiovisual – Documentário Temático – Edição Lei Paulo Gustavo, da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso, Ministério da Cultura (MINC) e Governo Federal.
‘Vó Maria’ será lançado no circuito de festivais de cinema e audiovisual, com previsão de estreia para o primeiro semestre de 2026.
A ARTE DO ENCONTRO
Nesse movimento de encontro com Vó Maria, a cineasta documentarista Jade Rainho volta aos “primórdios da câmera na mão”, como relata, e se coloca na narrativa pela primeira vez a partir de suas próprias impressões, sua linguagem poética e reflexões sobre os ensinamentos colhidos, demonstrando muito afeto e gratidão. Para isso, a diretora também contou com a expertise do cineasta e realizador audiovisual Joel Pizzini.
“A passagem da Vó transformou bastante o documentário. Por ter se tornado um filme de arquivo, ‘Vó Maria’ foi um filme mais de roteiro de montagem. E para me ajudar na construção desse caminho, eu tive o presente de trabalhar com a consultoria desse mestre do cinema, um amigo querido e um dos profissionais que mais admiro no cinema brasileiro, que é o Joel Pizzini”, destaca Jade.
Assim, o curta documentário ‘Vó Maria’ não se propõe a contar uma história em formato linear. Ele dá espaço às reflexões e ensinamentos da Mãe de Santo e faz da memória audiovisual da passagem de Maria pela Terra uma ferramenta singela e poderosa de extensão da sua missão. “Quando mostramos o filme no Terreiro, foi muito bonito e importante ver que a comunidade ficou feliz e grata por poder ver e ouvir Vó Maria mais uma vez”, relata a diretora Jade Rainho.
Durante o processo de finalização do projeto, o documentário também passou por escolas públicas e unidades de saúde - lugares de cura, cuidado e circulação de saberes -, como contrapartida simbólica da missão e memória de Vó Maria.
A DIRETORA
Jade Rainho é poeta, cineasta documentarista, educadora e ativista pelos Direitos Humanos e da Natureza. Seu curta-metragem de estreia, “Flor Brilhante e as Cicatrizes da Pedra" (2014), esteve em mais de 60 festivais, em 21 países, foi traduzido para seis idiomas e ganhou prêmios no Brasil, Bolívia, Peru e México. Também é diretora e roteirista dos premiados curtas "Hermanos, Aqui Estamos" (2022) e "CACICA – A Força da Mulher Xavante" (2022). Em novembro de 2025, estreou o seu primeiro longa-metragem "O Jardim de Maria” no DOC NYC, maior festival de documentários dos EUA, no legendário cinema Village East by Angelika, em Manhattan, Nova York. É sócia-fundadora da Cadju Filmes, produtora voltada ao Cinema de Impacto.
SINOPSE
Fé, Amor e Caridade. A divina trindade da Umbanda personificada em Vó Maria. Missão e presente entregues por Seu Tranca Ruas a uma poeta e documentarista: acompanhar os últimos anos de vida da Mãe de Santo e compartilhar em filme sua história e os aprendizados recebidos.
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