O jogo político brasileiro é complexo e, em geral, pouco transparente. Um exemplo é a chamada PEC da Blindagem, que impede a abertura de processos criminais contra políticos sem autorização do Congresso Nacional. A dinâmica política neste caso pode ser observada em três dimensões: a institucional, marcada por negociações de bastidor; a digital, que mobiliza a opinião pública de forma imediata; e a simbólica, na qual artistas, influenciadores e movimentos culturais dão peso moral às disputas.
A proposta foi aprovada por 344 votos a favor e 133 contrários. Logo depois, as redes sociais foram tomadas por críticas à matéria e aos parlamentares que a apoiaram. Muitos sentiram a pressão: alguns recorreram às redes para explicar seus votos e, até pedir desculpas. Isso mostra como a opinião pública digital consegue influenciar e modificar o comportamento dos políticos em tempo real.
Hoje, o cidadão conectado não apenas recebe informações, mas cria, compartilha e amplifica narrativas que podem constranger diretamente seus representantes. Surge, assim, uma espécie de “prestação de contas digital”, na qual o parlamentar se vê obrigado a reagir rapidamente à indignação coletiva.
O caso da PEC da Blindagem ilustra bem esse processo. Deputados de partidos como PSB, PT, União Brasil e PP justificaram seus votos afirmando pressões internas, influência de lideranças ou o chamado “sacrifício estratégico” para viabilizar outras pautas. Essa lógica, tradicional no Congresso, encontrou resistência imediata nas redes.
Em vídeo, a deputada Silvye Alves (União-GO) afirmou que foi pressionada e que pretende deixar o partido por causa da polêmica. O deputado Pedro Campos (PSB-PE) também recorreu às redes para explicar seu voto a favor da matéria.
A repercussão foi intensa: em poucos dias, a discussão sobre a PEC somou cerca de 1,6 milhão de menções nas redes, segundo levantamento da Bites. A publicação da deputada Érica Hilton (PSOL/SP), por exemplo, teve 411 mil curtidas e 5,5 milhões de visualizações contra a proposta. O cantor Caetano Veloso também criticou o projeto, alcançando 297 mil curtidas e 3,1 milhões de visualizações.
De acordo com a consultoria Arquimedes, 89% dos perfis que discutiram a PEC pertenciam ao campo progressista, somados a 4% de perfis de direita não bolsonarista, também críticos ao texto, incluindo simpatizantes do MBL. Já os bolsonaristas representaram apenas 7% do debate. Embora concentrada em perfis progressistas, a mobilização foi suficiente para pressionar parlamentares governistas e setores de direita não bolsonarista, mostrando o alcance da influência digital.
No entanto, esse processo traz riscos. A pressão das redes sociais pode gerar respostas imediatas, arrependimentos públicos e decisões pouco consistentes, prejudicando a previsibilidade do Legislativo.
A política, antes marcada pelo ritmo lento das negociações, tornou-se refém do tempo real das redes. O desafio agora é entender se esse poder de pressão digital vai fortalecer a democracia ou se resultará apenas em mais instabilidade e desconfiança.
(*) VANESSA MARQUES é Jornalista, professora, palestrante. Mestre em comunicação na Espanha e pós-graduada em economia e ciência política. Atua há 20 anos na comunicação política, sendo 13 anos na Câmara dos Deputados.
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