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Artigos Domingo, 25 de Maio de 2025, 06:34 - A | A

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Domingo, 25 de Maio de 2025, 06h:34 - A | A

BRUNO SOLLER

O eleitor da Geração das Facções

BRUNO SOLLER

Cabelo com corte degradê, desenhado com navalha, acessórios suntuosos, simulando ouro e com brilhos, camisetas com marcas de luxo muito visíveis, óculos “juliet”, um palavreado repleto de gírias e uma atitude de afirmação e confronto. Esse perfil de jovem brasileiro entre os 16 e 26 anos pode ser visto em qualquer comunidade ou área periférica do Brasil, seja no Rio Grande do Sul ou em Roraima.

O estilo “chavoso” é uma realidade e uma manifestação cultural que tem origem em uma triste realidade brasileira: o domínio de territórios pelas facções criminosas.

O crime organizado instaurou uma expressão de estilo de vida, que tem como foco a asseveração da identidade, promoção da origem e celebração da vitória que o poder e o dinheiro geram.

O termo chavoso, utilizado pelos ditos madrakes, esse grupo de jovens que ostentam essa cultura periférica, tem raiz etimológica na expressão “chave de cadeia”, um termo cunhado nas décadas anteriores para se referir a pessoas que estavam sempre envolvidos em encrenca ou que era um alvo propenso a ser abordado por policiais.

A popularização do funk e a disseminação de redes sociais, como o TikTok, levaram a uma padronização comportamental ainda mais aguda e que interliga os subúrbios de todas as grandes cidades brasileiras, independentemente das facções que por lá reinam. Histórias de sucesso, que se conectam com essa identidade, promovem ainda mais a pulverização desse comportamento social, como é o caso do ídolo da Seleção Brasileira, Neymar Jr, que é o símbolo máximo de ascensão de fama e riqueza para muitos desses jovens.

A sensação de ser sempre injustiçado e estar inserido em um contexto de dificuldades financeiras, habitacionais e de acesso a educação de qualidade, faz com que o senso de justiça de muitos desses jovens seja absolutamente desvirtuado daquilo que foi padronizado pela legalidade do Estado.

“Nós é o certo pelo certo, não aceita covardia, não é qualquer um que chega e ganha moral de cria” é um verso cantado por MC Orelha, na música classificada como “funk proibidão”, chamada Faixa de Gaza, em que é quase um hino da facção Comando Vermelho, a mais antiga e uma das maiores do Brasil.

Na mesma letra, o cantor afirma: “não somos fora da lei, porque a lei quem faz é nós”. Esse trecho que parece imaturo nada mais é do que a demonstração de um novo marco de poder em que o Estado brasileiro não mais consegue controlar as relações humanas dentro de diversos territórios do país.

A lei da comunidade é muito distinta da lei do país. Os tribunais, organizados pelas diferentes entidades criminosas, dão um tom de mais celeridade e punibilidade para quem comete algum deslize. Os “foras da lei” criaram uma lei própria, em que diversos sinais são impostos.

A austeridade do crime é que dá a ele a alcunha e o tom organizado que o Estado não consegue suprir. Em casos de disputa de guarda de filhos, batidas de automóvel, dívidas de empréstimos pessoais ou qualquer outro tipo de litígio, as facções dão o veredicto sobre como aquelas pessoas devem se resolver e criam a punição para aquele que por ventura estiver errado sob a ótica da legalidade que instauraram naquela porção territorial em que possuem o domínio. A ideia é evitar, inclusive, a ida das forças oficiais do Estado, para que não atrapalhem os seus negócios.

Essa dicotomia faz com que o crime seja um protetor da segurança dos indivíduos, já que eles não permitem que coisas mundanas, que ocorrem fora de suas garras venham a perturbar os moradores, como assaltos ou pequenos furtos.

Essa transição de apenas comerciantes de narcóticos para guardiões de uma sociedade mudou a percepção de muitos jovens, que querem imitar essa cultura de poder e domínio. Ser igual aos donos dos morros ou dos bairros é uma sensação de status e respeito. É uma afirmação de que o Estado visto como opressor ali não reina. São as regras que eles fazem e que dentro de uma realidade tão pobre, serve para pelo menos acalentar uma ideia de justiça, completamente desvirtuada, mas que funciona para eles.

Essa relativização do que é certo e errado e a nova inserção de artigos de um código que não coaduna com o restante da sociedade, ainda dão o tom de marginalidade para quem o pratica, mas com o aumento exponencial do processo de urbanização das cidades e a crescente suburbana, estão cada vez mais em voga.

A gestão local, imposta pelos faccionados é soberana no território. Para muitos, seja Lula, seja Bolsonaro, seja quem for, nada muda.

Uma grande parte do eleitorado que vai às urnas pela primeira vez não tem sequer uma opinião formada sobre os políticos que buscam representa-lo. Esse distanciamento é tão gritante que não faz muito sentido para eles entender quem poderá governar seu país, seu estado ou sua cidade. Eles vivem em um governo perene e que tem vida própria. Parecem não se sentir afetados pelas políticas instauradas do ponto de vista oficial.

A gestão local, imposta pelos faccionados é soberana no território. Para muitos, seja Lula, seja Bolsonaro, seja quem for, nada muda. O discurso de prosperidade, com uma intersecção absolutamente paradoxal entre o crime e o crescimento de igrejas evangélicas, é ainda o que cria alguma liga com potenciais candidatos. O chamado narcopentecostalismo, com facções que utilizam simbologia bíblica e nomes como Tropa de Arão, com bandeiras de Israel, é um exemplo de como a lógica da prosperidade unifica dois mundos absolutamente distintos, mas que molda essa formação de caráter de muitos eleitores de baixa idade das periferias.

A lógica assistencial católica de suprir necessidades básicas caiu em desuso. Para esses jovens é humilhante receber as migalhas que o Estado ou entidades possam lhes dar. Querem construir seus próprios caminhos e veem na afirmação que a cultura gerada pelas fações trouxe uma estrada de sucesso mais rápida.

Não necessariamente precisam viver do crime, mas aceitar essa lógica de que podem chegar lá pelo que são, faz com que essa afirmação os coloque em uma outra prateleira de compreensão. As novas possibilidades de renda são atrativas e muitos sonham com um dinheiro rápido. Seja pelas apostas, pelas bonificações do Tigrinho, seja pela criação de páginas de instagram e TikTok em que possam viralizar algum conteúdo e serem atrativos para pequenas marcas que os patrocinem, o fato é que parece muito penoso o caminho que seus pais traçaram e que os levaram a uma situação não confortável em comparação ao que presenciam da vida luxuosa dos donos da comunidade, que andaram por caminhos ilícitos e não convencionais.

Fazendo o passinho, João Campos, prefeito do Recife, mesmo herdeiro de uma família muito tradicional do Estado, conseguiu criar uma identidade com o movimento jovem periférico da capital pernambucana e virou um sucesso eleitoral. Alguns políticos forçadamente tentam adentrar nesse mundo, mas poucos são os que conseguem algum êxito. Esse jovem é adepto do “papo reto”, “sem vacilação”, porque estão forjados na cena do que é o mundo real da periferia. De nada adianta, o tapa nas costas, a promessa vazia, se as coisas não mudarem rapidamente.

O tempo deles é outro. Veem pessoas da mesma idade, dirigindo carrões, mexendo na aparência física, usando roupas da tendência e ostentando nas festas da vida. A individualidade é a força motriz. No meio de tanta incerteza, o que resta é ser mais confiante. Fazer sucesso, ser grande e daí sim olhar para o coletivo. Como diz o título da música do funkeiro paulistano MC Hariel, precisa “ser forte para dar sorte”.

(*) BRUNO SOLLER é Cientista Político - PUCSP, Especialista em pesquisas, estratégia eleitoral e advocacy, e diretor do Instituto de Pesquisas Quaest Big Data.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

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