Quinta-feira, 15 de Maio de 2025
facebook001.png instagram001.png twitter001.png youtube001.png whatsapp001.png
dolar R$ 5,67
euro R$ 6,34
libra R$ 6,34

00:00:00

image
facebook001.png instagram001.png twitter001.png youtube001.png whatsapp001.png

00:00:00

image
dolar R$ 5,67
euro R$ 6,34
libra R$ 6,34

Artigos Quinta-feira, 15 de Maio de 2025, 10:01 - A | A

facebook instagram twitter youtube whatsapp

Quinta-feira, 15 de Maio de 2025, 10h:01 - A | A

VANESSA MARQUES

Efeito Virgínia: Bets, influenciadores e a transformação da política em espetáculo

VANESSA MARQUES

A cena política, antes marcada por liturgia, técnica e autoridade, está sendo rapidamente subvertida por dinâmicas típicas das redes sociais: estética, desempenho, espetáculo e emoção. Esse processo ganha ainda mais força à medida que as lógicas de engajamento digital se infiltram nas esferas tradicionais da política. No centro desse novo cenário, figuras do entretenimento digital emergem não por suas ideias ou atuações, mas pela habilidade de capturar e sustentar a atenção do público, transformando o debate político em uma espécie de espetáculo. A autoridade cede lugar à celebridade, e a política, à lógica do algoritmo.

Um exemplo claro disso foi a sessão da CPI das Bets no Senado, que se configurou como um lamentável reflexo da nova forma de fazer política. A depoente Virgínia Fonseca, influenciadora com mais de 53 milhões de seguidores apenas no Instagram, foi convidada para prestar esclarecimentos sobre seus supostos contratos milionários com empresas de apostas. A comissão investiga a atuação dessas plataformas e as suspeitas de crimes como lavagem de dinheiro e associação criminosa. Os senadores também debatem o crescimento do endividamento das famílias.

Contudo, a reunião se transformou em um palco de tietagem explícita, com parlamentares mais preocupados com selfies, elogios e gestos performáticos do que com a verdadeira função fiscalizadora que deveria justificar a existência de uma CPI. Essa tietagem não foi apenas uma demonstração de vaidade, mas também revelou algo mais profundo: a idolatria da figura que representa a geração de riqueza, em contraste com o político, frequentemente visto como símbolo do gasto improdutivo. Inclusive, foi o discurso de um determinado senador que gerou mais uma cena constrangedora. Trata-se de uma inversão simbólica potente, que alimenta o sentimento antipolítica e transforma o espaço institucional em um palco de validação da cultura digital.

Esse episódio comporta ainda múltiplas camadas de interpretação. Da escolha do vestuário à linguagem corporal, tudo remete a uma mise-en-scène ao que indica meticulosamente orquestrada por Virgínia Fonseca. O moletom com a estampa da filha destoava abertamente do protocolo visual esperado em um espaço de representação institucional. A escolha dos óculos, o tom de voz suave e a postura contida evocavam o arquétipo da inocência — figura retórica historicamente mobilizada para desarmar o julgamento, capturar empatia e deslocar o foco do conteúdo para a comoção.

E a estratégia funcionou: ela foi tratada como celebridade, e não como uma testemunha capaz de contribuir com informações relevantes sobre o objeto da CPI, inclusive sobre as suspeitas de obter ganhos com a exploração da desgraça alheia. A superficialidade das perguntas e a evasão constante nas respostas escancararam o descompasso entre as práticas tradicionais da política institucional e os novos modos de construção de autoridade discursiva, nos quais as redes sociais exercem enorme influência. Nada foi improvisado, e nada visou ao debate substantivo de um tema urgente: a epidemia de jogos de azar que atinge milhões de famílias, deixando um rastro de falências e sofrimento. E isso não é apenas uma questão legal, mas também moral.

Esse episódio remete, inevitavelmente, à CPI das Fake News, quando parlamentares despreparados, alheios ao vocabulário e à lógica da comunicação digital, foram facilmente desestabilizados por depoentes habilidosos em narrativa, retórica e autoproteção simbólica. Em ambos os casos, a assimetria entre os atores e a linguagem vigente no ecossistema digital comprometeu a legitimidade da arena institucional. Parece que o passado pouco contribui diante do novo desafio.

O que se evidencia nesse episódio lamentável é a confirmação de um diagnóstico já consolidado: atenção, influência e capacidade de mobilização se tornaram pilares do poder contemporâneo. E poucos representantes políticos parecem aptos a compreender ou dominar as novas gramáticas da política em rede.

Enquanto a política seguir refém da lógica da viralização, a CPI será menos um instrumento de apuração e mais uma vitrine de vaidades. E, nesse jogo, quem domina a atenção vence mesmo que esvazie o conteúdo. O que se viu não foi apenas uma inversão de papéis; foi a confirmação de que, no Brasil, a autoridade já não se constrói com argumentos, mas com alcance.

(*) VANESSA MARQUES é jornalista e mestre em comunicação na Espanha, e atua há 20 anos na comunicação política, com 13 anos de experiência como coordenadora de comunicação de mandato na Câmara dos Deputados.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

Clique aqui e faça parte no nosso grupo para receber as últimas do HiperNoticias.

Clique aqui e faça parte do nosso grupo no Telegram.

Siga-nos no TWITTER ; INSTAGRAM  e FACEBOOK e acompanhe as notícias em primeira mão.

Comente esta notícia

Algo errado nesta matéria ?

Use este espaço apenas para a comunicação de erros