O exercício da vida pública é, antes de tudo, um ato de convivência. O homem público, seja legislador, administrador ou representante de qualquer instância estatal, não pode se conceber como proprietário do cargo que ocupa, mas como depositário temporário da confiança popular. Mais do que dominar técnicas administrativas, leis e protocolos, é necessário cultivar uma competência essencial: gostar de gente. Sem essa disposição afetiva e ética, a política degenera em mera gestão burocrática ou disputa de poder, distante de sua verdadeira função, servir à coletividade.
A sociologia, desde Émile Durkheim, ensina que a coesão social depende de um conjunto de valores compartilhados, mas também de mecanismos que permitam a convivência de diferentes visões de mundo. Norbert Elias, ao analisar o “processo civilizador”, mostra que a vida em sociedade é, por essência, um exercício de controle das emoções e tolerância mútua.
Assim, o homem público atua num ambiente marcado pela diversidade social e cultural, onde ideias, interesses e identidades frequentemente entram em conflito. O seu papel é criar pontes e não muros entre esses diferentes segmentos. Para isso, é preciso compreender que a divergência não é um defeito da democracia, mas sua condição natural.
Do ponto de vista filosófico, a função do homem público se aproxima do conceito de phronesis (prudência prática) de Aristóteles: a virtude de deliberar bem sobre os assuntos que dizem respeito à vida comum.
Martin Buber, em sua filosofia do diálogo, lembra que o verdadeiro encontro humano é aquele em que vemos o outro como um “Tu” e não como um “Isso”. Gostar de gente não significa concordar com tudo, mas reconhecer no outro um sujeito de dignidade.
O homem público, portanto, deve ter uma ética da alteridade: saber ouvir, dialogar e até conviver com a crítica e a hostilidade sem perder a serenidade. O adversário político não é um inimigo a ser eliminado, mas um interlocutor necessário para que a verdade democrática se construa coletivamente.
Na perspectiva da ciência política, o Estado moderno é fruto de um pacto social seja na formulação de Hobbes, Locke ou Rousseau e deve representar a totalidade da sociedade, não apenas um grupo ou ideologia.
Hannah Arendt destaca que a política é o espaço da ação plural, onde diferentes pessoas se reúnem para deliberar sobre o destino comum. Isso exige do homem público a habilidade de mediar interesses e preservar o sentido de comunidade.
Em uma democracia, o governante ou representante não governa para “os seus”, mas para todos: aliados, neutros e críticos. O Estado não é propriedade de um partido ou de um grupo social, mas patrimônio coletivo. Governar, portanto, é servir.
Ser homem público é assumir uma responsabilidade que ultrapassa a técnica política: é representar vidas, sonhos, dores e esperanças. Isso implica gostar genuinamente de gente, ter disposição para compreender o outro, conviver com pensamentos distintos e manter o diálogo mesmo diante da hostilidade.
O verdadeiro representante sabe que o Estado é de todos e que a função pública é transitória, mas o impacto humano de suas decisões pode ser eterno. Numa época de polarização e intolerância, lembrar dessa premissa é mais do que um gesto ético é uma exigência civilizatória.
(*) JOÃO EDISOM DE SOUZA é Analista político e professor universitário.
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