Toda vez que ouço alguém falar que vai completar 90 anos lembro-me, de uma forma quase automática, do meu último ano antes de chegar em A.A. É que 90 anos era a idade que minha avó materna (que me criou) ia completar em 1997 e não foi possível, porque ela faleceu um ano antes. Com a partida dela veio o meu fundo de poço, parecendo que nada mais tinha sentido para mim. Eu bebia cada dia mais e mais, usava outras drogas que ainda não tinha experimentado e, em um ano, perdi completamente a direção da vida.
Um dia tive um início de coma alcoólico em uma excursão de turismo para a Oktoberfest; em outra ocasião fui detida junto com um homem maior de idade e encaminhada para procedimentos disciplinares na minha cidade, devido ao abuso do álcool e drogas, enfim, eu sofri uma derrota total para o vício.
Foi depois desse período de declínio que comecei a compreender o que se passava comigo. Isso aconteceu quando fui internada pela segunda vez em uma clínica de recuperação de álcool e drogas, onde tive contato com pessoas que falavam a minha língua, eram membros de A.A. que iam àquela instituição uma vez por semana para levarem a mensagem aos internos, entre os quais, eu me encontrava. Após muitos anos como membro ativa da irmandade de A. A. é que fui entender que o trabalho que esses companheiros faziam era o trabalho de Informação ao Público que chamamos de CTO, mais especificamente o Comitê de Instituições de Tratamento.
Quando faço um retrospecto e volto aos 90 anos que minha avó poderia ter completado, recordo-me que naquela oportunidade eu estava de mente fechada e jamais entenderia que o falecimento dela se tratava de uma fatalidade como muitas vezes acontece na vida de qualquer um; que as pessoas morrem um dia; e que ela já havia cumprido seu tempo aqui conosco. O fato é que levei anos, após entrar em recuperação, para superar aquela sensação de dor e vazio que tomou conta de mim. Foram muitos inventários, muitos apadrinhamentos e anos para aceitar o destino, entregar aqueles sentimentos nas mãos de um Poder Superior, que hoje concebo como Deus, e seguir vivendo minha vida de uma forma mais leve e feliz.
Foi só em 2011, quando eu já contava 14 anos de recuperação contínua em A. A., que tive o prazer de vivenciar, em uma festa linda de aniversário dos 90 anos da minha sogra, que o Poder Superior me dava a oportunidade de viver aqueles tão sonhados 90 anos da minha avó. Só que dessa vez não era com ela, mas com uma pessoa maravilhosa que Ele colocou em meu caminho durante a trajetória da minha recuperação. Naquele momento eu consegui não só participar de uma linda festa de 90 anos, mas durante alguns anos, em que estive casada com a filha dela, superei aquele sentimento de vazio e dor que atravessavam um longo período de minha história de vida. Foi então que eu pude fazer reparações com minha avó através da minha sogra, agindo com ela como eu queria ter feito se ela estivesse viva.
Como tudo na minha vida sempre foi em abundância, acredite se quiser, mas além dessa senhora bondosa e amável me acolher na vida dela, havia uma outra senhora vivendo na mesma casa, que era madrinha da minha companheira, e também contemporânea de idade. De modo que lá eu também vivi em dobro a oportunidade de reparações e experiências com os 90 anos de idade dela também.
Sinto-me uma privilegiada em ter vivido nessa relação praticamente todos os passos do primeiro legado de nossa Irmandade, ou seja, uma verdadeira herança que jamais esquecerei. Hoje tenho a oportunidade de contar tudo isso porque a irmandade à qual pertenço completa 90 anos salvando vidas, aquela que salvou a minha vida e me fez ver que tinha sentido voltar a viver novamente.
(*) ALICE é nome fictício em respeito à tradição do Anonimato.
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