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Entretenimento Segunda-feira, 11 de Julho de 2016, 09:12 - A | A

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Segunda-feira, 11 de Julho de 2016, 09h:12 - A | A

Baiana mantém casas alugadas e abriga portadores de HIV

G1

A técnica de enfermagem aposentada Maria Conceição Macedo, de 72 anos, lembra como se fosse hoje do momento em que se deparou com dois pacientes "abandonados" pelas famílias na enfermaria do Hospital Roberto Santos, em Salvador, no final dos anos 80, por serem portadores do chamado vírus HIV, à época recém-descoberto por pesquisadores.

 

Cuidadora

 

Comovida, a então funcionária novata da unidade médica decidiu alugar uma casa com recursos próprios para abrigar os doentes -- um jovem de 18 anos, que era travesti, e um homem de 30 --, que não sabiam do paradeiro dos parentes.

 

Conceição diz que o episódio não sai da memória, quase três décadas depois, pelo fato de os dois terem sido os primeiros dos hoje 850 portadores da doença - entre eles 70 crianças - que ela se prontifica a ajudar.

 

A baiana que passou a dedicar a vida a crianças, jovens e adultos carentes infectados com HIV é fundadora de uma instituiçao beneficente que leva o seu nome e virou até tema de um livro, que reúne depoimentos de amigos sobre sua trajetória de vida.A obra, intitulada "Tia Conça: A nossa senhora, Conceição", foi lançada na última quarta-feira (6), na capital baiana. O livro tem, ao todo, 24 depoimentos, entre eles  do líder espírita José Medrado, do fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, e do cantor e compositor J. Velloso, e conta com desenhos feitos por crianças de dois a seis anos antendidas na creche da instituição, denominada de Creche Casa VIHDA, no bairro da Liberdade. Os beneficiados pela instituição fundada pela baiana, a maioria atendidos desde criança, recebem cestas básicas, assistência para o tratamento e acompanhamento.

 

"O livro foi uma coisa muito boa. Fiquei muito gratificada por conta do reconhecimento. É quase uma biografia, mas sem nenhuma linha escrita por mim. Se fosse eu que tivesse falando no livro, muitas pessoas até poderiam duvidar das histórias contadas, mas são os outros que estão relatando. São pessoas de valor que me conhecem desde o início. Então, para mim, é muito mais importante que essas pessoas falem do que eu", destaca "Tica Conça", como é carinhosamente chamada. A mulher mantém atualmente, com ajuda de doações da sociedade civil e trabalho de volutários, 27 casas alugadas em diversos bairros de Salvador, que abrigam portadores de HIVMesmo antes de fundar a Instituição Beneficente Conceição Macedo, há 28 anos, Tia Conça diz que já tinha o habito de ajudar os outros.

 

"Sempre gostei desde a infância de cuidar dos excluídos, dos discriminados. Assim que terminei meu curso técnico de enfermagem, nos anos 80, me esforcei para fazer um concurso público e trabalhar numa instituição pública, onde pudesse ajudar os mais pobres. Consegui realizar meu sonho em 1987, quando passei em primeiro lugar para atuar na emergência do HGE [Hospital Geral do Estado]. Decidi fazer enfermagem porque poderia ajudar muita gente, já que quem trabalha na área da saúde deve ter como foco não o dinheiro mas o bem-estar os outros", ensina.

 

Após alugar a casa com dinheiro próprio para os dois pacientes do Hospital do Subúrbio, onde também passou a trabalhar após se formar, Conceição conheceu mais pessoas em situação de vulnerabilidade com o vírus HIV e disse que passou a locar mais imóveis para abrigar todo mundo. "Há 20 anos, quem tinha HIV era visto como bicho por ser uma doença adquirida. Por isso, essas pessoas eram excluídas e, sempre que eu via alguém assim, ajudava. Depois da casa para os dois pacientes, aluguei mais dois quarto em um sobrado também no Pelourinho. Era um local de tráfico e prostituição, e as profissionais do sexo ficavam doentes e eu nunca negava ajuda", lembraConceição afirma que uma das histórias que mais a marcou foi a de uma mulher que morava em um barraco com seus dois filhos. "Ela se envolveu num desentendimento e a polícia bateu nela. Ela tinha acabado de parir o segundo filho e chegou para mim toda cheia de hematomas. Depois, a levei para o hospital e, quando teve alta, foi para minha casa. Mais tarde, tomei dinheiro emprestado com uma financeira que funcionava no comércio, comprei a casa coloquei todos eles para morar lá. Estão nessa casa até hoje", conta.

 

Repercussão

 

Segundo Conceição, após saberem da sua generosidade, vários veículos de comunicação locais fizeram reportagens e ela ficou ainda mais "famosa".

 

"Depois das matérias, muitas pessoas passaram a me procurar para pedir ajuda e, quando percebi já estava com 30 quartos alugados no Pelourinho para abrigar todo mundo, sempre contando com doações da sociedade civil. Mas chegou um momento em que todos os quartos ficaram cheios porque cada família que estava em cada um dos quartos tinha dois ou três filhos", disse.

 

A mulher chegou a montar uma creche embaixo de um viaduto no Pelourinho, Centro Histórico da capital baiana, para alfabetizar crianças em situação de rua que ela não tinha como levar para os abrigos locados. "Eu fiquei com essa creche na rua por cinco anos, até medos de 1993. Eu sempre ia para o viaduto depois que largava o plantão no hospital e ia ensinar os meninos a ler e escrever. Não me cansava. As pessoas doavam lápis, papel ofício e isso ajudava muito", destaca.Conceição diz que, hoje, apenas cinco das pessoas que ela começou a ajudar na época em que fundou a instituição beneficente permanecem vivas. "Os dois que estavam no [hospital] Roberto Santos abandonados pelas famílias já morreram. Daquela época, só cinco continuam comigo até hoje. Antes, morria muita gente, mas atualmente, com o coquetel para a Aids, é mais difícil morrer", comemora.

 

O padre Alfredo Dórea, gerente administrativo da instituição fundada por Conceição, destaca que decidiu ser um dos organizadores do livro sobre a baiana, com quem convive há 25 anos, para "eternizar a história de solidariedade da mulher".

 

"No livro, muitos colaboradores contam historias dessa convivência com ela. São depoimentos de pessoas que contam episódios da carreira dela, cada uma com seu ponto de vista. Meu trabalho foi juntar isso tudo e montar o livro. O que chama a atenção é que ela avança na assistência, mas volta sempre às suas origens. Até hoje, vai para as ruas abordar as pessoas e oferecer ajuda. O que impressiona é o respeito que ela tem pelo próximo, sem nenhum preconceito. Por isso que ela é chamda de mãe por travestis e moradores de rua", afirma.

 

Conceição diz que não tem previsão de abandonar o trabalho social e prol de portadores de HIV e que continuará escrevendo sua história de solidariedade. "Continuarei com essa missão até não puder mais falar, não puder mais andar e morrer. Hoje, a instituição tem ajuda só da sociedade civil e não conta com ajuda de órgãos públicos. Há dificuldades, mas ajudar o próximo é muito bom, é gratificante", diz.

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