Camila Ribeiro/HNT

Margareth, à esquerda, Fabiane, no centro, e Viviane, à direita, segurando quadro com foto da mãe, uma inspiração para o trio
No bairro do Quilombo, em Cuiabá, um casarão antigo foi transformado em um negócio familiar. Inspiradas pela mãe costureira, três irmãs decidiram dar um passo ousado e abrir o ‘Décadas Brechó’.
Ao tocar a campainha, a reportagem do HNT foi recebida por Margareth Pozzobon, de 59 anos. Advogada e ex-assessora parlamentar, Margareth atuou por 13 anos na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), com passagem pela Comissão de Meio Ambiente, onde colaborou na construção de projetos de lei.
Aos 54 anos, no entanto, foi surpreendida com a demissão. O desligamento a abalou e a levou a repensar sua trajetória profissional. Foi então que procurou uma amiga, proprietária de um brechó, e propôs uma sociedade.
“Trabalhei muito tempo voltada a temática do meio ambiente, queria juntar essa minha experiência com essa parte alinhada ao sustentável e a ideia de brechó. Fazemos um trabalho de formiguinha aqui em Cuiabá, retirando um pouquinho do resíduo têxtil para fazer uma reutilização e uma boa utilização, trazendo para as pessoas aquilo que deixou de ser usável para alguém, mas que se torna uma nova história para outro alguém”, disse Margareth Pozzobon.
As irmãs buscaram suporte no Sebrae/MT para nortear essa jornada empreendedora
Porém, a amiga fez as malas e foi embora de Cuiabá, deixando Margareth diante de uma nova transição. Fechar as portas não era uma alternativa. É quando ela convida as irmãs Viviane Soares, de 56 anos, e Fabiane Ribeiro, de 50, para se juntarem ao negócio.
Margareth lembra as duas “compraram a ideia” e aprovaram transferir o brechó para a varanda da irmã mais. Para nortear essa jornada empreendedora, as irmãs buscaram suporte no Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em Mato Grosso (Sebrae/MT), participando de consultorias e capacitações.
A adaptação da área externa foi feita por um arquiteto que, em vez de erguer paredes, prezou pelo princípio do “reaproveitamento”, optando por instalar janelas que seguiam o pé direito, dando sensação de que o espaço é maior. Ele também integrou a loja ao jardim.
O projeto ainda preservou as colunas de pedra canga e utilizou madeira no mezanino, criando um ambiente aconchegante e convidativo.
“Essa varanda parou de ser usada quando meus filhos casaram e ficou aquela casa grande, sem muita utilidade, porém, com um espaço bonito, cheio de verde ao redor. Contratamos um arquiteto que foi fantástico pois utilizou o espaço de maneira elegante, não derrubou paredes e ainda construímos um outro andar nessa casa com mais de 30 anos”, detalhou Margareth.
MÃE COSTUREIRA INFLUENCIOU FILHAS
A costureira Léia Ojeda, que faleceu em 2021, deixou um legado no setor de vestuário que influenciou profundamente as filhas a empreenderem no universo da moda. Ela é, até hoje, um exemplo de força para elas, que desde pequenas a auxiliavam como modelos de prova: revisavam as peças, retiravam fios soltos e até encapavam botões.
"Ela era uma costureira de mão cheia, perfeccionista", ressalta Margareth
Esse afinco com as roupas feitas pelas mãos das mãe, é lembrado quando as clientes levam peças para avaliação.
“Ela era uma costureira de mão cheia, perfeccionista e, eu, principalmente, por ser mais velha, a ajudava com os acabamentos. Ela virava a roupa do avesso e pedia para tirar os fios e, às vezes, ainda ajudava a pregar o botão, a fazer os botões encapados, que hoje a gente encontra nas grandes alfaiatarias”, lembrou Margareth.
A memória da mãe, embora não mais presente fisicamente, conforta e inspira as irmãs no dia a dia do negócio. Um quadro com uma foto dela em um encontro familiar ocupa um lugar permanente na decoração da loja, uma espécie de símbolo de uma herança que vai muito além da costura.
COMPRA COM AMIGAS
Ao entrar no brechó, a sensação é de estar visitando a casa de amigas. As clientes são recebidas no portão e conduzidas por um caminho de cimento que leva a um deck charmoso, dando acesso à porta principal. Do lado de dentro, a personalidade pulsa: os olhos são imediatamente atraídos por araras repletas de cores, texturas e tecidos.
A sala da casa de Margareth foi incorporada ao brechó e transformada em três provadores que remetem aos das lojas de fast fashion, em contraste com o restante da decoração intimista.
Para quem gosta de garimpar, é bom ir com tempo. No térreo, estão as roupas para o dia a dia. Os looks podem ser complementados com acessórios, bolsas e sapatos, expostos na churrasqueira da casa, agora adaptada como vitrine. A estrutura rústica harmoniza com a proposta da decoração, que mistura modernidade e elementos vintage, dialogando com os tons das pedras canga.
O caminho até o mezanino é outro deleite para o olhar. A escada com degraus de madeira e corrimão de ferro, com motivo industrial, é iluminada pela luz natural que preenche o ambiente com afeto solar. Neste andar, ficam as roupas de festa, composições mais sofisticadas para a noite e uma ala com peças promocionais.
Segundo a pesquisa "Empreendedorismo Feminino em Mato Grosso", realizada pelo Sebrae/MT em fevereiro de 2025, das 188 mil mulheres que administram pequenos negócios no estado, 46% atuam no setor de serviços e 35% no comércio — principalmente nos segmentos de confecções, vestuário, saúde e beleza.
Margareth, que afirmar “amar receber visitas”, contou que sua intenção era de que as clientes tivessem o sentimento de “estar em casa”
Ao todo, 52% possuem um local próprio para trabalhar, enquanto 23% gerenciam o negócio em casa, como é o caso de Margareth. A maioria, 58%, empreende por necessidade financeira. Já 40% apontam a liberdade financeira e a autonomia como principais motivações; e 32% abriram seu negócio para realizar o sonho de "fazer o que amam".
Margareth, que afirmar “amar receber visitas”, contou que sua intenção era de que as clientes tivessem o sentimento de “estar em casa”.
“Essa ideia de acolhimento e pertencimento, isso já está dentro de nós. Simplesmente estamos colocando para fora uma coisa que a gente já traz, pois em casa a nossa mãe sempre fez isso. A gente quer que você venha, sinta-se acolhida e queira voltar”, falou.
ECONOMIA PRATEADA
A jornada de Margareth e das irmãs foi guiada tanto pela intuição, característica comum a muitos empreendedores, quanto pelo apoio do Sebrae/MT. Margareth lembra bem a sensação de ter um negócio com potencial nas mãos e não conhecer processos. As dúvidas foram sanadas com a orientação de técnicos do Sebrae, que visitaram o brechó e a direcionaram para cursos gratuitos e capacitações.
"Eu tinha um sonho, mas não sabia por onde começar. Foi com o apoio do Sebrae que fui entendendo melhor como estruturar o brechó", conta Margareth.
Em uma dessas conversas, ela percebeu que fazia parte da chamada economia prateada - termo que define o mercado voltado às mulheres maduras. Coincidentemente, as irmãs também estão próximas a essa faixa etária.
Segundo o estudo "Empreendedorismo Feminino em Mato Grosso", realizado pelo Sebrae/MT, 60% das empreendedoras do estado têm entre 35 e 54 anos, enquanto 6% possuem mais de 54. Outro dado que dialoga com a realidade de Margareth é o nível de escolaridade: 37% das mulheres mato-grossenses à frente de negócios concluíram o ensino superior — como Margareth, que é bacharel em Direito.
Entenda melhor o conceito de economia prateada nesta edição do Minuto HNT:
BARREIRAS DO MERCADO E ETARISMO
Margareth afirma que já enfrentou discriminação por causa da idade e por ser mulher. Determinada, enfrentou essas barreiras com o apoio da família e de amigos.
Camila Ribeiro/HNT

Margareth Pozzebon se reinventou ao perder o emprego formal e assumiu o desafio de empreender
“Infelizmente, ainda nos deparamos com esse tipo de enfrentamento. As pessoas nos julgam pela aparência, idade, mas somos capazes de tudo e muito mais. Nunca deixei isso me parar e sempre contei com o apoio da família”, compartilhou.
Essa rede de suporte é acionada por 65% das mulheres que empreendem, conforme o Sebrae/MT, para lidar com o estresse e as dificuldades do negócio. Margareth também passou a praticar pilates, entrando para o time de 51% das donas de negócios que utilizam atividades físicas como estratégia para regular as emoções.
Outros desafios enfrentados por essas mulheres incluem a falta de capital para investimento, uma barreira para 42% delas, a burocracia excessiva (39%) e as dificuldades no acesso ao crédito (31%), o que, segundo as entrevistadas, afeta diretamente a competitividade.
ACOMPANHANDO AS TENDÊNCIAS DO MERCADO
A concorrência acirrada tira o sono de 30% das empreendedoras mato-grossenses, de acordo com o levantamento do Sebrae/MT. Como diferencial competitivo, 33% monitoram tendências de mercado e 19% investem na experiência do cliente, com foco em oferecer um serviço de qualidade, espaços acolhedores e atendimento personalizado.
Margareth e as irmãs acompanham de perto essas tendências. Recentemente, passaram a realizar lives diárias no Instagram, apostando na plataforma como ferramenta para impulsionar as vendas. As três se revezam nas transmissões, e os resultados já começam a aparecer.
“Foi um pouco difícil no começo pois não tínhamos costume. Mas estamos aprendendo e gostando da interação”, relatou.
Investindo nas vendas online, as irmãs estão desenvolvendo um site do ‘Décadas Brechó’. Por meio do e-commerce, elas irão expandir a cartela de clientes Brasil afora.
Analisando a trajetória de Margareth, a analista do Sebrae/MT, Driely Sena, ressalta que a empreendedora "se apaixonou pelo problema", buscando continuamente mecanismos para se adaptar ao mercado e fazer seu negócio prosperar.
"Tem uma frase que diz assim: a gente não pode se apaixonar pela solução, e sim pelo problema. Todo empreendedor precisa ter isso em mente, porque o mundo está mudando, o consumidor está mudando. E ela soube se adaptar ao mercado e às novas tecnologias", pontua Driely.
CONSCIÊNCIA AMBIENTAL
Por ter atuado durante anos em comissões da Assembleia Legislativa, Margareth incorporou termos e práticas sustentáveis em seu cotidiano. Ela, que quando criança começou reaproveitando retalhos de tecidos, aderiu a moda circular e frequentar lojas convencionais deixou de fazer parte de sua rotina.
“A consciência da moda circular já estava entranhada antes do Décadas, só não conhecíamos o termo. A gente sempre reaproveitou muita coisa com relação a retalhos, por exemplo, desde pequena com a nossa mãe, e isso já incorporou o conceito de reaproveitamento, mesmo, na época, sem ter a consciência de que aquilo fazia bem para o ambiente”, expôs Margareth.
Fazer parte desse ecossistema da economia circular, a orgulha, pois ela sente que cumpre uma missão em benefício ao planeta em conjunto com as irmãs.
Ainda assim, o ‘Décadas Brechó’ ainda representa uma minoria. Margareth está entre os 30% dos negócios que adotaram práticas sustentáveis neste último ano, segundo pesquisa do Sebrae/MT. A porcentagem é ainda menor quanto à prática da reciclagem que está em 29% e em 30% em relação ao uso de embalagens ecológicas.
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