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Artigos Quarta-feira, 27 de Janeiro de 2016, 14:35 - A | A

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Quarta-feira, 27 de Janeiro de 2016, 14h:35 - A | A

Ciências policiais: uma primeira aproximação

O Estado não pode inculcar valores na cabeça das crianças, tais como o dever de ser honesto e responsável, o Estado, tampouco, deve ser parâmetro para a educação que deve nascer no convívio familiar

GABRIEL LEAL

 

Qual o produto que a polícia entrega à sociedade? Sem dúvidas: sensação de segurança. É isso que você cidadão sente como resultado da ação policial, e sentindo, passa a viver uma vida social, primeiro tornada possível e, posteriormente, produtiva. Ou seja, a polícia é uma das instituições responsáveis por produzir cidadania como efeito do produto “sensação de segurança”.

 

Agora, “como” a polícia produz sensação de segurança? De imediato, diria que a polícia patrulha tecnicamente às ruas de forma ostensiva, dia e noite, buscando preservar a ordem que permite ao cidadão exercer a cidadania. Por exemplo, se um cidadão resolve fazer da rua em que mora a extensão de sua casa, seja ligando um som excessivamente alto ou mesmo fechando-a, outros, também cidadãos, ficam impedidos de exercer a sua própria cidadania, a despeito daquele que excedeu sua parcela de direitos. Daí, segue a polícia ao reestabelecimento da “ordem pública”, que é o dar a cada um o que lhe é devido em termos de civilidade. Abaixa-se o som ao volume legal e libera-se a via pública para a utilização de todos, publicamente, respeitando assim a salubridade e a tranquilidade que são componentes da ordem pública.

 

Tudo isso parece ser muito simples. E de fato é. Mas a polícia vai ampliando suas atividades à medida que os direitos individuais ficam mais complexos, e, consequentemente difíceis de serem assegurados no Brasil que conhecemos. Lazer, moradia, saúde, educação de qualidade e etc. Todos esses direitos existem para exercício da cidadania e interferem diretamente nas ações policiais, pois, vejamos mais um exemplo que esclarece. Determinado bairro não possui área de lazer, e um grupo de jovens (os que mais usufruem do direito ao lazer pela própria condição de jovens) decidem fazer da rua uma quadra de futsal improvisada. Quem não fez isso, não?. Acontece que seu José, cidadão de bem como se diz, se vê impossibilitado de acessar com tranquilidade sua garagem, agora sempre ocupada com garotos à espera da vez de jogar, do “próximo” como se diz no futebol-de-rua. Seu José então chama a polícia e um conflito de direitos se instaura: o de seu José em não poder entrar na sua casa com a rua praticamente interditada, e dos jovens, no direito que têm ao lazer.

 

O que quero mostrar com esse exemplo banal?  Primeiro, que a polícia não é a única instituição pública que oferece sensação de segurança ao cidadão. Segundo, que uma escola a menos, uma quadra de futsal que falta no bairro, são, em regra, causas de conflitos sociais e, daí, portas abertas à criminalidade.

 

O que está por trás de um homicídio cruel, de um roubo à mão armada, portanto, não é só ausência de policiais no efetivo ou bem treinados e equipados, mas um conjunto de direitos que, caso assegurados, servem como prevenção de todo conflito que impede cada um de nós de sermos cidadãos de fato. Uma rua mal iluminada, apesar de não poder ser responsabilizada diretamente, pode contribuir para estupros e furtos. Um terreno com mato vomitando para todos os lados, todos sabemos, é o esconderijo perfeito daquele que furta e esconde o material furtado. A sensação de segurança, dessa forma, é uma responsabilidade de todo aparato do Estado. Nada de novo nisso tudo. Prossigo.

 

Considerando o que se disse acima a ciência da polícia está em antecipar o conflito social preservando a ordem, e essa ordem deve ser pública, para que toda comunidade possa exercer cidadania plena, qual seja, trabalhando, circulando livremente, dispondo de educação, saúde pública e etc. Para tanto, a polícia aborda e inspeciona com olhos de lince toda aresta urbana, com tirocínio e intrepidez, para que um conflito seja evitado ou desfeito ato contínuo à sua eclosão. A polícia, então, precisa trabalhar diuturnamente para que desordens sejam prontamente solucionadas, antes de serem crimes penalmente reprováveis pela justiça. Ou seja, a polícia deve estar orientada às soluções de problemas que, existindo, geram crime. Antecipação e prevenção são palavras chaves na ciência policial.

 

Como percebem até agora não usei expressões como “combater o crime”, ou “acabar com a violência”, expressões consagradas na moeda policial corrente. Talvez você ficaria chocado se eu dissesse que o papel científico da polícia não é combater o crime, ou, exterminar a violência social. Mas, perceber desordens sociais, sondar com muita perícia eventos que contribuirão para que o crime aconteça, e solucioná-los de antemão.

 

Minha questão com as expressões se dá porque quando falo em “combater o crime” estou usando, ou melhor, empregando a mesma palavra, só que com sinal trocado, por assim dizer, da desordem social que pretendo evitar, antecipar e dirimir. Claro, sabemos que a linguagem policial que lida com o cidadão simples deve guardar essas expressões enérgicas como “combater o crime” pois são, por si mesmas, modos consagrados de aplacar medos e temores sociais, além de meio que comunica força de vontade de policiais devotados, o que, no debate público tem boas funções a desempenhar. Portanto, devem continuar sendo ditas como mensagem direta a criminosos, embora, tecnicamente, devamos ser conscientes de sua imprecisão científica, como cientistas policiais.

 

A imprecisão ocorre, cientificamente insisto, porque ao dizer que “combato o crime” estou a dizer como por repetição que, pelo uso sistemático deixamos de refletir a fundo, que nós policiais, estamos a empregar as mesmas armas que desordeiros empregam, que é (bate)r contra a (com)unidade, ou seja, bater-em-conjunto, “guerrear”. Combater algo nesse contexto científico que analiso só tem sentido num universo em que seu uso se refira a um inimigo declarado que quer, criminosamente, destruir a sociedade de direito num todo, tirando de nós soberania, isto é, combatendo socialmente. Um caso, portanto, de Exército, Marinha e Aeronáutica. Atinente às forças de defesa nacional.

 

O ponto, do contrário, é de problemas sociais e cidadania. Explico. Como exemplo devo dizer que quando A ou B rouba ou mata para roubar quer — por livre-arbítrio — reestabelecer a cidadania que lhe fora supostamente negada, ou saciar seu prazer em ser violento, por vontade consciente ou psicopatia.

 

O que quero argumentar assim é que o crime prescrito no Código Penal não pretende expor à polícia os inimigos da república para seu combate, mas pessoas responsáveis socialmente que, num momento ou outro de suas vidas se viram conscientemente livres para tomar para si a cidadania aos seus olhos negada. Ou, por outro lado ainda, simplesmente, serem violentas por vontade e até por prazer diria Freud. A questão do crime então é de cidadania, de análise das ciências que têm por escopo possibilitar cidadania, possibilitar a pólis, diriam os gregos, daí “ciências policiais”.

 

Logo, no escopo das ciências policiais “combater o crime” é uma contradição em termos, pois o crime não depende de seu combate para desaparecer, porém, só desaparece ou míngua quando a cidadania é preservada, isto é, com trabalho farto, mercado livre, educação de qualidade, lazer público, saúde garantida e todo rol de garantias que dão a cada pagador de imposto aquilo que deveria ser seu por direito.  

 

Invadir um terreno baldio e de lá ser despossuído à força por exemplo, às vezes com violência policial como o passado já mostrou até, mostra o déficit de moradia ao qual todos têm direito constitucional, o direito a ter uma casa!. O furto e o roubo, apontam como pode não parecer para uma ociosidade juvenil que demanda escola integral e diversão ordeira e sadia, com promoção maciça de esporte e cultura, que enriquece o repertório e afasta maus pensamentos. Afinal todos fomos jovens um dia e nada mais abominável que um dia ociosamente vivido na completa ausência de expectativa por uma vida melhor, bem sucedida, à revelia dos sonhos insistentemente calados daquele médico ou engenheiro falhado pelo sistema universitário restrito, do jovem verde de esperanças que cede os sonhos à ostentação barata por fim apodrecendo, e que exige, desse mesmo jovem para que se ostente, a coragem para “meter o berro” e prevalecer roubando, matando etc.

 

Por consequência dessa visão macro de proteção social a polícia é o fiel da balança de um sistema integrado de segurança que permite, quando compacto e eficiente, dar ao cidadão a possibilidade de viver em sociedade, seguramente. Em colocar cadeiras na calçada e conversar, em ir ao shopping, caminhar à noite, abrir e fechar o comércio sem roubos. Mas para que se possa por cadeiras na calçada é preciso haver calçadas primeiro, mesmo ruas, iluminadas e asfaltadas. Para ir ao shopping é preciso termos um comércio aquecido para desfrutar de serviços de alto nível, dinheiro circulando e, antes de tudo, economia sólida. Para caminhar à noite é preciso ter antes de tudo saúde para andar, e caso precise, um cardiologista de pronto atendimento àqueles que, sedentários, reforçam o sedentarismo menos por vontade e mais por falta de médicos e nutricionistas disponíveis no sistema público de saúde. Segurança pública, como percebem, é algo sistêmico e não depende exclusivamente da polícia. Nunca dependerá.

 

Até agora ressaltei que a cidadania é fundamental e o sistema de direitos que vem do Estado é imprescindível para que a polícia some, lá na ponta, como fiel da balança. Mas, e o seu papel? O do cidadão? A “responsabilidade de todos”, como quer a Constituição? Como aliar o cidadão à ciência que é a ciência do bem-viver, a ciência policial?

 

Existe um Estado que começa bem longe das instituições que devem assegurar direitos, e nasce, insuspeitamente, bem debaixo do nariz de cada um de nós: a família. O Estado e, consequentemente, a polícia, não pode entrar na casa de ninguém para debelar desordens que antecedem crimes, como o pai que dá mau exemplo ao filho fazendo gato na rede elétrica às escondidas, ou até mesmo, quando agride a esposa que se cala. O Estado não pode inculcar valores na cabeça das crianças, tais como o dever de ser honesto e responsável, o Estado, tampouco, deve ser parâmetro para a educação que deve nascer no convívio familiar, no exemplo direto e na convivência diária. A escola escolariza, quem educa são pais e mães. Todos nós, portanto, somos policiais em algum nível de responsabilidade, e a criança má educada, pode vir a ser o adulto sem valores morais e éticos. Na maioria são, aliás.

 

Quase tudo o que foi dito acima é absolutamente clichê, eu sei. Mas clichês, vez ou outra, são verdades desgastadas pelo uso que precisamos reavivar de tempos em tempos, para que todos nós façamos ao modo próprio a ciência do bem-viver social, ciências policiais.

 

*GABRIEL LEAL é major PM. Doutor em educação PUC/SP, mestre em educação UFMT, bacharel e especialista em segurança pública pela Academia de Polícia Militar Costa Verde, APMCV/PMMT.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

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