Entender os impactos socioambientais do cultivo de soja e cana-de-açúcar para a produção de agrocombustível. Esse foi o objetivo do técnico em políticas fundiárias da agencia alemã Misereor, Benjamin Luig, ao visitar, dia 02 de julho, lideranças do Assentametno Roseli Nunes no município de Mirassol d’Oeste, a 390 quilômetros de Cuiabá-MT. Benjamin diz que a ONG sempre esteve preocupada com o sistema econômico mundial que impede a busca por um mundo mais justo com elementos como uma vida digna baseada nos direitos humanos e na segurança alimentar, entre outras coisas. Explica que somos todos, em parte, responsáveis por esse panorama através de nossas ações cotidianas e estilo de vida. “Nosso consumo de açúcar, por exemplo. O Brasil, hoje quinto produtor mundial de cana, será provavelmente, em 2017, líder do mercado, tendência apoiada por grandes empresas como Coca-Cola e Nestlé, que nossa sociedade de consumo fomenta sem conhecer as consequências desse mercado”, revela o técnico. No caso da soja, Benjamin explica que a Alemanha é a terceira criadora mundial de suínos, tornando-a uma grande importadora de soja brasileira, destinada a fabricação de ração, sem se importar com as consequências desse cultivo.
A visita foi acompanhada pela coordenadora regional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Fase, programa Mato Grosso, Fátima Moura, e aconteceu no assentamento Roseli Nunes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
Benjamim teve a oportunidade de conversar com várias trabalhadoras e trabalhadores, também membros da Associação Regional de Produtores Agroecológicos – Arpa. Entre eles, a presidenta da Associação, Claudinéia Rodrigues de Souza, e seu pai, Nerio Rodrigues de Souza, que contaram como a destilaria Cooperb começou o cultivo da cana, ao lado do assentamento.. “Antigamente tinha bastante árvores e outras coisas por aqui! Agora só se vê cana, cana-de-açúcar por todo lado. Isso foi construído usando trabalhadores daqui mesmo. Ônibus cheios iam trabalhar na usina, às três da manhã, chegando lá no amanhecer. Aí, trabalhavam quase sem parar e sem sombra até as 17 horas. Almoçavam marmita que a empresa dava e era descontada do salário depois. Tinha que trabalhar assim de segunda à sábado para ganhar apenas uns 400 ou 500 reais por mês, e se a pessoa não aparecia um dia, perdia o emprego. Às vezes chamavam apenas para cortar cana até as dez horas, para não ter que pagar uma diária inteira”, disse Claudinéia. “Hoje quase ninguém do assentamento trabalha lá, mas a Cooperb acabou com a região. Além do trabalho injusto, houve muito desmatamento e usaram muito veneno na plantação. As casas que ficam perto já não conseguem produzir como antes, nada cresce e a água está contaminada. Até nos rios onde pescávamos hoje não há mais tanto peixe. E depois no exterior falam que isso é energia limpa!”, lamentou Nerio.
Conversando com outras famílias, Benjamin e Fátima souberam que a pulverização de veneno para o cultivo de cana como para o de soja acabou afetando a fonte de água que abastece o município de Mirassol e que, além disso, a poluição sonora provocada pela maquinaria de safra acontece noite e dia, seis meses ao ano, depois das queimadas intencionais para a colheita da cana.
Contudo, a monocultura, a poluição e os agrotóxicos não são as únicas ameaças que pairam sobre os assentados. Por um lado, a região ainda é palco de conflitos fundiários, por outro, uma árvore exótica, originária da Ásia, foi introduzida perto do assentamento para fins comerciais pela empresa Soroteca Agro Florestal e tem provocado desequilíbrio ambiental, segundo os moradores. “Essa árvore, a teca, não é daqui. Começou a ser plantada por aí de 2004. Aí desmatam para plantá-la e depois de cinco ou seis anos vendem a madeira. Mas ela acaba empobrecendo o solo”, disse Luiz Pereira Silva.
O garimpo: nova ameaça
Mas o maior temor das famílias de agricultores(as) do assentamento Roseli Nunes ainda está por chegar. Suspeitas de presença de ouro e fosfato no subsolo interessam várias empresas desde 2007. Em 2012, funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, deixaram bem claro que a mineração chegaria no assentamento e que, por isso, precisavam fazer uma vistoria para a mineradora Bemisa. A mineradora, que fez uma primeira pesquisa mineral em 2014 e continua em 2015, prevê o inicio das extrações para 2016. Nesse sentido, no caso em que a justiça não considere esta situação de perigo, o assentamento e seus habitantes estão se organizando para elaborar um estratégia de atuação.
Nos dias seguintes, Benjamin Luig reuniu-se com mais organizações, como o Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – Formad, e a Comissão Pastoral da Terra – CPT, entre outras.
Enquanto isso, as famílias do assentamento Roseli Nunes esperam o resultado do processo que encaminharam com o Ministério Público Estadual relativo ao uso de veneno no cultivo da cana, ao mesmo tempo em que se sentem ameaçados pelo avanço agressivo da sojicultura e pelos minerais cobiçados sob o chão no qual pisam e dependem a cada dia.
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