Chapadense de nascimento, o 'Doutor Rasqueado' João Eloy adotou Cuiabá como sua terra. De família tradicional, Eloy cresceu vendo o avô tocar em festividades religiosas na cidade de Chapada dos Guimarães, o que fez florescer o amor à música, assim como a vontade de ajudar sua cidade.
O médico formou-se em 1972, no Rio de Janeiro, e voltou para atender na sua cidade, sendo o primeiro médico de Chapada dos Guimarães. Aposentado no ano passado, após 44 anos dedicados a curar pessoas, João Eloy continua se dedicando a celebrar a vida através da música, da poesia e das composições.
No decorrer na sua carreira João já lançou 15 discos, um livro com a história de Chapada dos Guimarães, três livros de poesia e caminha para seu quarto DVD, além de ter marcado seu nome da história cuiabana pelo engajamento social e valorização da cultura local. “Nossas tradições são nossa maior riqueza. Essa preciosidade nós temos que preservar e valorizar”, ressalta.
Há 10 anos o cantor apresenta o programa Varanda Pantaneira, que trata da cultura cuiabana, fazendo um importante trabalho de divulgação e perpetuação das características que tornam a capital uma cidade única. Apoiando grandes projetos para que a musicalidade típica seja preservada e lembrada, o cantor apoiou o projeto que decretou o dia sete de abril como o Dia Estadual do Rasqueado.
Confira a entrevista completa:
HiperNotícias - A medicina e a música são duas profissões que exigem muita dedicação. Como fez para levar as duas profissões?
João Eloy - Na minha adolescência eu já era músico. Comecei a tocar cavaquinho com sete anos, depois passei para o violão e, quando fiz 15 anos, minha mãe me deu um acordeão. Fui aprendendo a tocar tudo sozinho, porque meu avô era músico, meu pai era músico. A medicina veio depois e eu buscava da melhor forma possível executar minhas duas atividades.
HN - Qual foi a inspiração para que você se dedicasse à música?
J.E. - Em Chapada dos Guimarães eram realizadas muitas festas tradicionais. Para se ter ideia uma, todas as festas de santos, juninas e todas as festividades tradicionais sempre contavam com uma banda de rasqueado. Havia um cantor de siriri e cururu que tocava muito bem viola de cocho, além do meu avô também tocar. Então desde criança eu fui sofrendo essas influências. Hoje eu toco teclado, acordeão, cavaquinho, guitarra e violão.
HN - Porque você escolheu o rasqueado? Como foi decisão?
J.E. - O rasqueado está no meu sangue. Cansei de ver meus avós dançando rasqueado.Essa é uma herança que o mato-grossense ganhou do final da guerra do Paraguai. Antes da Guerra do Paraguai, aqui só tinha cururu, siriri e catira, porque é procedência dos índios e dos negros. Com a derrota dos paraguaios, eles migraram para Várzea Grande, beira do rio e do Pantanal. Eles tinham a harpa paraguaia e polca, houve essa mistura de culturas. A polca paraguaia é a mãe do rasqueado. O rasqueado surgiu da fusão do rítmo paraguaio com a percussão da África.
HN - Você é muito conhecido por representar a música e defender a cultura cuiabana. Quando o senhor mudou para Cuiabá?
J.E. - Quando me formei e voltei para Chapada dos Guimarães, sempre frequentei festas e mantive contato com pessoas que organizavam as festas. Inclusive uma vez eu abri o clube Patucha. Ninguém queria investir em nada e eu comprei os instrumentos de segunda mão da boate Sayonara, do Nasir Bocair, e montei uma banda em Chapada.
O clube ficou em funcionamento durante cinco anos. Durante o dia era jardim de infância, que minha esposa cuidava. Aos sábados e domingos tinha bailes. A gente também fez uns cinco carnavais maravilhosos naquela época. Chapada tinha só rua esburacadas, não tinha iluminação pública, era uma cidade bem povoada. Não tinha o atrativo turístico que tem hoje.
O asfalto na Chapada chegou na época do governador Garcia Neto, em 1976. Até ali era só estrada de terra. A gente passava dentro do córrego Mutuca, Salgadeira, era terrível. De Cuiabá lá eram três horas de viagem. Diante dessa dificuldade resolvemos nos mudar para a capital.
HN - O que o rasqueado representa hoje para Cuiabá aos 297 anos?
J.E. - O rasqueado está presente em todas as festas de Santo. Na vida noturna, tem Roberto Lucialdo todas as quintas-feiras no Clube de Esquina. O Guapo tem rasqueado. Eu tenho um programa televisivo chamado 'Varanda Pantaneira', que tem 10 anos no ar, tem também o Pescuma com o programa 'É bem Mato Grosso'. Dessa forma a gente consegue manter viva a cultura. Agora a Mega FM também tem um programa que toca rasqueado aos sábados e domingos, chamado ‘Chá com Bolo’.
Então eu acredito que nós cumprimos a nossa missão de preservar o rasqueado cuiabano e, devido a essa minha persistência, vontade de manter a memória, eu fui apelidado de o 'Doutor do Rasqueado'.
HN - Você acha que a população mato-grossense valoriza a música, folclore e as tradições cuiabanas?
J.E. - Já foi mais valorizado na época do governador Blairo Maggi. Tinha festival de cururu, siriri, rasqueado, lambadão. Ai de uns governadores para cá, eles extinguiram as esses eventos. Então acho que a grande pedra preciosa de Mato Grosso, que é a cultura e o folclore, está sendo desprezada pelos governantes. Se esses eventos retornassem, talvez houvesse mais valorização. Já pensou se chegasse no Japão e extinguisse a cultura deles? Não vai poder mais comer de ‘pauzinho’ essas comidas, peixe cru está excluído e acabou. Como seria visitar o Japão? Isso não pode acontecer, porque o nosso maior patrimônio é a cultura.
HN - O que falta para que essa valorização seja maior?
J.E. - Falta consciência cidadã. Eles preferem levar rock, o governador fez, em Vila Bela da Santíssima Trindade, uma festa e levou uma banda de rock. O governador é jovem, mas acredito que não seja compatível com a cultura. Só temos a lamentar porque o Taques afirma que é mato-grossense. O Blairo Maggi que é paranaense fez mais que ele pela cultura.
HN - Qual a passagem mais marcante da sua careira?
J.E. - Não há um ponto. O que marca é que hoje eu sou mencionado em todas as escolas, faculdades e livros de histórias de Mato Grosso. Até mesmo o jornalista Elias Neto escreveu um livro sobre a história do estado e eu fui citado nele. Então acredito que consegui, apesar de todas as dificuldades, contribuir para a história e cultura da cidade. Acho que o brasileiro hoje sabe do que o cuiabano gosta, que é o rasqueado. Isso já é uma conquista.
HN - Como você faz uma retrospectiva da sua carreira?
J.E. - Hoje eu estou aposentado. Sou formado há 44 anos como médico e tenho 30 anos como músico profissional, tocando nas ruas, fazendo shows, com a agenda sempre lotada. Eu fui homenageado em várias escolas de Cuiabá, Várzea Grande e Chapada. Estive visitando algumas escolas no CPA, Pedra 90 e Planalto para fazer um bate papo com os alunos e eles sabem minhas músicas, cantaram, dançaram e declamaram minhas poesias.
Eu também sou escritor e publiquei o livro da história de Chapada, pela editora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e está na livraria Janina que, inclusive, distribui todos os meus produtos. Tenho três livros de poesias. Pesquisei muito a história e agora estou escrevendo a minha bibliografia.
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