Depoimentos de médicos da rede pública de saúde de Cuiabá ao Ministério Público Estadual (MPE), gravados em vídeos que circulam pelas redes sociais, relatam caos no setor, citando até mortes de pacientes e falta de medicação básica, como dipirona, em Unidades Básicas de Saúde (UBS), além da falta de condições de trabalho.
Os depoimentos foram colhidos pelo Núcleo do Patrimônio Público da Capital em novembro. No início de dezembro, após tomar conhecimento das denúncias, o MPE iniciou uma inspeção conjunta em unidades de saúde geridas pela Prefeitura de Cuiabá.
Em vídeos, os médicos relatam o caos vivido diariamente nas unidades de saúde. Em um vídeo, uma médica que atua na atenção básica da Capital há mais de 30 anos cita que nunca presenciou um serviço tão ruim quanto na atual gestão municipal.
“O que me trouxe aqui é que nunca, nesses quase 30 anos de serviço público, a Saúde nunca esteve tão ruim. Falta tudo, de estrutura, medicação, especialista. Dipirona tem mais de anos que não tem. Às vezes chega uma caixinha que não dá para cinco dias”, relata a médica.
Em outro trecho, conta a situação da farmácia básica nas unidades de saúde. Ela aponta que não há itens considerados básicos pela própria prefeitura. Entre remédios e insumos, não há 15% do que deveria ter. Segundo ela, na lista da prefeitura há 175 itens obrigatórios, no entanto, na unidade de saúde onde ela trabalha só tem 26.
“Não tem medicamento básico do básico. Não tem remédio para pressão alta. Eu estou com vários pacientes descompensados com pressão, a 210 por 110, e isso vai levando a um AVC, a perda de membros. Recentemente, uma das coisas que impactou bastante a gente foi a perda de uma menina de 16 anos que apresentava sintomas de tumor cerebral e a gente não conseguiu fazer a ressonância, não conseguiu um neurologista. Nos últimos dias, quando a coisa agravou muito, que a gente conseguiu interná-la em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), de lá para o Hospital Municipal de Cuiabá (HMC) e lá ela morreu”, conta.
Outra médica que atua no antigo Pronto-Socorro revela que o caos vem desde o início da pandemia da covi-19, em fevereiro de 2020. Ela conta, em seu depoimento, que falta medicação e materiais básicos para procedimentos que deveriam ter no hospital.
“Utilmamente tem sido pior, está bastante comprometido, defasado. São muitos materiais antigos, a gente não tem reposição. A preocupação maior é a falta de muitos medicamentos básicos para controle de pressão arterial, sedativos, psicotrópicos, antibióticos, até falta de soro temos lá. É bem caótica a situação do Pronto-Socorro atualmente”, conta.
A médica conta ainda que, devido à falta de medicamentos, houve mortes e complicações de pacientes.
“Dentro da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), esses medicamentos são essenciais para salvar a vida de pacientes. E vários óbitos foram relacionados a esta falta, ou complicações relacionadas a essa falta de medicamentos. Já tive pacientes que simplesmente precisavam de medicamento para pressão, que estavam com a pressão muito alta e tiveram colapso cardíaco”, relata.
Um médico que já trabalhou na rede pública de saúde de Várzea Grande e hoje atua na UPA do Verdão faz uma comparação entre a gestão de saúde das duas cidades. Ele cita que atuou na UPA do bairro Ipase.
“A estrutura física da UPA de Várzea Grande é muito similar a onde estou agora, que é a do Verdão, abriu recentemente, é nova, mas há uma diferença absurda na farmácia. Lá em Várzea Grande, a gente tem seis tipos de antibióticos, todos os analgésicos, todos os antiinflamatórios e tem em grande quantidade. Em Cuiabá, não tem nada”, diz.
OUTRO LADO
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) esclarece que está apurando as denúncias supostamente feitas por médicos relacionadas às unidades de saúde do município.
“Se os profissionais tinham conhecimento de irregularidades, deveriam ter comunicado diretamente à gestão da SMS, por meio do diretor técnico da unidade ou Ouvidoria”, diz trecho da nota.
A nota segue dizendo que a falta de medicamentos, como dipirona, de fato aconteceu, mas não foi exclusividade de Cuiabá, foi no país inteiro. Mas o que faltou foi a dipirona comprimido, usada para dispensação aos pacientes. A dipirona injetável, utilizada em unidades de urgência/emergência e em hospitais, não faltou em momento algum, alega o município.
A prefeitura frisou ainda que ficou surpresa que médicos da Atenção Básica relatem casos de mortes de pacientes por falta de medicamentos ou por falta de exames de alta complexidade, como a ressonância citada na denúncia, uma vez que pacientes graves não são atendidos nas unidades básicas de saúde (os chamados “postinhos”) e essas unidades não têm fluxo para solicitar esse tipo de exame.
Segundo a SMS, a pasta tem apurado há algum tempo várias condutas e posturas de profissionais por práticas de conduta vedada ao servidor público, como, por exemplo, entrega de atestado falso, além de ter passado a cobrar com rigor a produtividade dos profissionais, e apontou que isso tem causado um grande descontentamento por parte desses profissionais.
"A Secretaria reconhece que existem vários problemas para ser solucionados, mas que está trabalhando incessantemente para solucioná-los o mais rápido possível”, diz a nota.
INVESTIGAÇÃO
Os depoimentos foram procedimentos oriundos da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos medicamentos da Câmara de Vereadores de Cuiabá. A comissão investiga a contratação de empresas terceirizadas pela Secretaria Municipal de Saúde, em substituição à realização de concurso público e processo seletivo determinado pela Justiça como forma de contratação dos servidores do setor.
Nos últimos anos, a Saúde de Cuiabá foi alvo de diversas operações policiais, inclusive da Polícia Federal, com diversas prisões e dezenas de mandados de busca e apreensão.
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