Os profissionais de saúde são unânimes em afirmar que uma alimentação saudável é baseada no consumo de alimentos in natura e minimamente processados. Entretanto, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), o consumo regular de itens como feijão, frutas e hortaliças apresentou queda em Cuiabá entre 2013 e 2019. O decréscimo no consumo de feijão na cidade apontado pela PNS no período, por exemplo, foi de 11,8%, caindo de 84,20% para 74,30%. Sobre frutas e hortaliças, a diminuição estimada foi de 8,3%, saindo de 34,9% para 32%.
A PNS é um inquérito de saúde de base domiciliar, realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os índices usados pelo levantamento consideraram apenas pessoas de 18 anos ou mais e o termo “regular” se refere ao consumo dos alimentos em 5 dias ou mais por semana.
A social media Júlia Vilela, 28 anos, e o design gráfico Luan Loures, 29 anos, relatam que dão preferência para produtos frescos ou naturais congelados para facilitar a rotina.
“Gosto de ter vegetais congelados em casa porque acho prático, não tem conservante e nos possibilita ter mais variedade sem perder os alimentos”, afirma o casal, que opta por ervas secas para fazer o tempero da própria comida.
Já a servidora pública Ana Clara Verginassi, 19 anos, conta ao HNT que além de quase não comer verduras, bebe muito refrigerante. “Não tenho um planejamento alimentar e, às vezes, deixo de fazer algumas refeições”, diz. Hábitos alimentares como os da jovem causam preocupação aos estudiosos sobre o assunto.
DANOS CAUSADOS PELO CONSUMO DE ULTRAPROCESSADOS
Diversas pesquisas apontam o consumo de produtos ultraprocessados como fator de risco para o desenvolvimento de obesidade, diabetes, aumento do colesterol, pressão arterial e alguns tipos de câncer, acarretando a morte prematura (entre 30 e 69 anos) de aproximadamente 57 mil pessoas por ano no Brasil. Estas informações foram levantadas pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens/USP) e divulgadas na edição de janeiro deste ano da revista científica American Journal of Preventine Medicine.
“No Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde, é possível identificar os parâmetros de utilização dos alimentos, desde os alimentos in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados. A recomendação é que se evite ao máximo o uso de ultraprocessados para manter a saúde física, o peso adequado e a ingestão de macro e micronutrientes”, destaca a professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (ISC/UFMT), Márcia Montanari.
A docente fala ainda que a adição de açúcares, farinhas refinadas, gorduras, sódio, além de aditivos químicos, faz com que estes produtos ganhem sabor e aroma que podem ser percebidos como viciantes.
“Produtos ultraprocessados oferecem altas doses desses produtos em pouco tempo, ampliando a falsa sensação de bem-estar e saciedade após o seu consumo e desencadeando um comportamento compulsivo, principalmente entre as crianças e adolescentes”, explica, colocando como exemplo deste tipo de produto os salgadinhos, os refrigerantes, as carnes processadas, os molhos prontos entre outros.
Os prejuízos de ordem ambiental, cultural e econômica provocados pelo consumo de ultraprocessados também são trazidos pela integrante do Conselho Regional de Nutricionistas 1ª Região (CRN/1) Lorrane Pienaro da Cunha.
“O Guia Alimentar para a População Brasileira concluiu que o impacto dos ultraprocessados na natureza é representado pela degradação e pela poluição do ambiente, pela redução da biodiversidade e pelo comprometimento de reservas de água, de energia e de muitos outros recursos naturais. Além disso, eles minimizam a cultura alimentar, preparações culinárias e impactam o trabalho dos pequenos agricultores”, registra.
FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O CONSUMO DE ULTRAPROCESSADOS
O casal Everton Rossete, 37 anos, e Miguel Souza, 32 anos, revela que pretende mudar a rotina alimentar, atualmente marcada pela presença diária e em grande quantidade de embutidos. Mas eles reconhecem que o processo demanda esforço e dedicação.
“A correria do dia-a-dia acaba atrapalhando a adoção de hábitos mais saudáveis. Os alimentos in natura demandam uma atenção e um armazenamento mais cuidadoso. Os ultraprocessados têm uma validade maior, são mais práticos, o que acaba ajudando muito no cotidiano”, declara Miguel.
A professora da Faculdade de Nutrição (Fanut/UFMT), Bartira Gorgulho, esclarece que, além da falta de tempo, fatores econômicos e logísticos também justificam a entrada dos ultraprocessados na dieta das pessoas.
“Hoje, vivemos em muitos ambientes obesogênicos, onde há oferta fácil de ultraprocessados e pouca ou nenhuma de produtos saudáveis, como cantinas escolares, ambientes de trabalhos ou mesmo na alimentação de rua”, declara. Para manter uma alimentação balanceada sem comprometer o orçamento, a pesquisadora sugere que as pessoas façam suas compras priorizando a agricultura familiar e alimentos sazonais.
Questionada sobre a interferência da pandemia da covid-19 na questão, a docente considera que foi observado um aumento no consumo destes itens pelo fato de eles serem estocáveis e pela sua “maior vida de prateleira”.
“As pessoas tinham medo de ficar saindo na rua, os aplicativos de entrega de comida estavam funcionando a todo vapor, os agricultores familiares tiveram uma maior dificuldade de abastecer os mercados e as frutas e verduras também tiveram o seu deslocamento comprometido”, relembra.
MEDIDAS ADOTADAS PELO PODER PÚBLICO
Bartira Gorgulho, que também integra o programa de pós-graduação de Nutrição, Alimentos e Metabolismo da UFMT, confirma que a redução do consumo de alimentos ultraprocessados pela sociedade traria ganhos para todos. Isto porque a ação resultaria não só em melhoras na qualidade da vida do ponto de vista individual, mas também na redução de gastos do Sistema Único de Saúde (SUS). Sua fala é complementada por Márcia Montanari, para quem a diminuição do consumo deste tipo de produto deve acontecer mediante à adoção de medidas específicas por parte do Poder Público.
“Regular o setor alimentício, reduzir a propaganda e uso, promover ações de promoção da alimentação saudável e as mudanças nos sistemas de produção, distribuição e acesso aos alimentos saudáveis são ações fundamentais para a saúde da população brasileira e devem estar nas agendas das políticas públicas em todas os poderes e esferas (municipal, estadual e federal). Deve ser um esforço coletivo dos governos e da sociedade civil promover sistemas e ambientes alimentares saudáveis e sustentáveis”, pontua a pesquisadora do Núcleo de Estudos em Ambiente, Saúde e Trabalho (Neast/UFMT).
Perguntada sobre sua percepção a respeito do tratamento dado ao assunto dentro de Mato Grosso, Márcia Montanari considera que embora existam legislações importantes - como a lei nº 11.242/2020, que institui a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (Peapo) e o decreto nº 322/2023, que institui o Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Mato (Plesan) para o quadriênio 2023/2027 – “não há uma prática política efetiva para conter o avanço do consumo de ultraprocessados.
O HNT tentou entrar em contato com a Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc), responsável pela execução do Plesan, para saber quais são as expectativas do órgão para o período compreendido pelo plano. Mas, até o fechamento desta matéria, não obteve retorno. O espaço segue aberto para respostas.
Em Cuiabá, Lorrane Pienaro informa que a rede pública de ensino segue as orientações do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), atualizado pela Resolução nº 6/2020 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
“Essa resolução determina que as escolas optem por oferecer mais frutas e hortaliças e inclui a obrigatoriedade de alimentos fonte de ferro, como carnes, vísceras, aves e peixes no mínimo quatro vezes por semana, visando garantir um cardápio saudável aos alunos de todas as etapas da educação básica pública”, expõe.
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