Vivemos uma era em que a verdade parece cada vez mais vulnerável diante das paixões humanas, especialmente quando estas são alimentadas por discursos de ódio, ressentimento e desinformação. A propagação de fake News, notícias falsas com aparência de veracidade, não se limita à ignorância ou à ingenuidade: muitas vezes, ela é escolhida ativamente por indivíduos que, emocional e cognitivamente, rejeitam aquilo que desafia suas convicções e frustra seus desejos.
Neste artigo, propomos uma análise crítica das razões pelas quais certos indivíduos, dominados por paixões dilacerantes ou por ódios abrasadores, não apenas acreditam em mentiras convenientes, mas também passam a criminalizar a verdade e a atacar aqueles que a proclamam. Essa postura revela um padrão psicológico, sociológico e filosófico que merece ser examinado à luz de pensadores clássicos e contemporâneos.
Segundo Freud, o ser humano possui mecanismos psíquicos de defesa que visam proteger o ego do sofrimento, entre os quais se destaca a racionalização, a justificação de ações ou crenças irracionais com argumentos aparentemente lógicos (FREUD, 1996). Nesse sentido, quando um indivíduo escuta uma mentira que "acalenta suas moléstias biliares", ou seja, suas mágoas, rancores e frustrações, ele tende a adotá-la como uma forma de preservar sua identidade emocional.
O psicólogo Leon Festinger chamou esse fenômeno de dissonância cognitiva, em que o sujeito, diante de uma verdade que contradiz suas crenças, experimenta desconforto psicológico e, para aliviá-lo, rejeita a verdade e reafirma a mentira com ainda mais veemência (FESTINGER, 1957). A mentira se torna, assim, um refúgio emocional, e a verdade, uma ameaça insuportável.
Do ponto de vista sociológico, Émile Durkheim já observava que as representações coletivas podem sobrepor-se à razão individual, especialmente em contextos de crise ou fragmentação social (DURKHEIM, 1999). Quando a mentira é repetida por um grupo de pertencimento, seja político, religioso ou ideológico, ela adquire uma aura de legitimidade. Desmenti-la é colocar-se fora da tribo, sendo então punido simbolicamente (ou até fisicamente) pelos demais membros.
Essa lógica é ampliada pela era digital. Como afirma Byung-Chul Han, vivemos uma “psicopolítica do like”, em que o sujeito busca reconhecimento e validação dentro de sua bolha, e não a verdade em si (HAN, 2015). Nesse contexto, espalhar fake news e atacar portadores da verdade torna-se uma estratégia de visibilidade e pertencimento. A mentira deixa de ser apenas crença: torna-se instrumento de poder simbólico.
Filosoficamente, não se trata de um fenômeno novo. Platão, em sua célebre "Alegoria da Caverna", já mostrava como os prisioneiros acorrentados à ilusão preferem atacar o libertador a aceitar a realidade fora das sombras (PLATÃO, 2004). O mensageiro da verdade é, nesse sentido, uma figura perigosa, não por causa daquilo que diz, mas por aquilo que revela: a fragilidade do mundo de fantasias onde muitos preferem viver.
Nietzsche, por sua vez, diagnostica esse comportamento como ressentimento, uma inversão de valores promovida por aqueles que não suportam suas próprias limitações, e por isso transformam a verdade, o bem e a excelência em objetos de ódio (NIETZSCHE, 2009). A fake news, nesse caso, atua como instrumento de vingança simbólica contra tudo que ameaça o narcisismo ferido.
Pessoas dominadas por paixões intensas e desordenadas não apenas creem em fake News, elas precisam delas para justificar suas frustrações, ressentimentos e identidades fragilizadas. Mais do que desinformação, trata-se de um fenômeno afetivo, social e político, em que a mentira se transforma em escudo emocional e arma retórica.
O ataque à verdade e ao seu mensageiro revela, portanto, uma crise mais profunda: uma sociedade cada vez mais incapaz de suportar o desconforto do pensamento crítico, da dúvida e da complexidade. Enfrentar esse desafio não é apenas uma tarefa informacional, mas um exercício ético e civilizatório que exige coragem, lucidez e compromisso com a verdade, ainda que impopular.
(*) JOÃO EDISoão Edisom de Souza Analista político e professor universitário.
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