Foi o caso do talvez mais famoso musical brasileiro, Alô, Alô, Carnaval, dirigido por Adhemar Gonzaga. Foi apresentado na praça, em cópia restaurada em 4K. Quem subiu ao palco para falar foi a diretora da Cinédia, a impávida Alice Gonzaga. Do alto dos seus 90 anos, dona Alice defendeu a qualidade do filme e reclamou da falta de verba para recuperar outras obras da Cinédia. "Quem sabe no ano que vem estaremos aqui exibindo uma cópia nova de O Ébrio", comentou.
O melodrama, protagonizado por Vicente Celestino e dirigido por Gilda Abreu, passa por uma das maiores bilheterias do cinema brasileiro. "A maior!", garante muita gente que testemunhou a afluência gigantesca aos cinemas para assistir às desditas do boêmio, autor daqueles versos famosos: "Tornei-me um ébrio, na bebida busco esquecer, aquela ingrata que eu amava e que me abandonou", etc. Essa primazia de O Ébrio (1946) não pode ser confirmada pois, na época, a contagem de ingressos era ainda feita de modo precário.
Trama ingênua
Voltando a Alô, Alô, Carnaval, foi divertido rever esse musical costurado por uma trama ingênua e rarefeita. Dois malandros (Barbosa Júnior e Pinto Filho) tentam improvisar um show para um empresário e as músicas se sucedem à medida que os contratempos são contornados pela famosa ginga carioca.
Mas são os números musicais a verdadeira atração da "fita", como se dizia antigamente. Num cenário fantasioso, sucedem-se as grandes estrelas da época - o filme é de 1938: Hervé Cordovil, Joel de Almeida, Francisco Alves, Almirante, o Bando da Lua, Oscarito, Lelita Rosa, Heloísa Helena, as irmãs Dircinha e Linda Batista e, para terminar, o finíssimo biscoito oferecido pelo duo Carmen Miranda e sua irmã Aurora Miranda interpretando Cantoras do Rádio, de Lamartine Babo, também presente no filme. Louve-se a capacidade incrível de Adhemar Gonzaga em reunir tantos talentos na mesma comédia musical.
Icônica
Em outro registro completamente diferente, outra obra restaurada, A Mulher de Todos, de Rogério Sganzerla, fez lotar um espaço novo da CineOP, o anexo do Museu da Inconfidência, também na Praça Tiradentes. Mas este é um cinema convencional, fechado, confortável e com ótima projeção. E ao abrigo do frio na famosa praça de Ouro Preto.
Quem esteve na projeção foi a protagonista desse filme de 1969, a atriz Helena Ignez. Ela pôde se ver na tela, em quase todos os planos do filme, interpretando uma de suas personagens mais conhecidas e icônicas, de uma corrente cinematográfica que alguns chamam de "cinema marginal". E outros, de "cinema de invenção", como Jairo Ferreira, cineasta e fã do movimento.
Helena é Ângela Carne e Osso, ninfomaníaca e perigosa, casada com um milionário de índole nazista, vivido por Jô Soares. A cópia apresentada sofreu um processo de colorização, que acaba acentuando seu caráter tropicalista. Era um retrato do ambiente do País. Em meio a uma ditadura violenta, que se fechava cada vez mais sobre a sociedade, a "saída" parecia apontar para a contracultura, o desbunde, a ironia pesada e o sarcasmo. E, sobretudo, a invenção e a esculhambação.
No filme anterior de Rogério Sganzerla, O Bandido da Luz Vermelha (1968), o personagem-título vivido pelo ator Paulo Villaça (que também está em A Mulher de Todos no papel de falso toureiro), diz a frase emblemática: "Quem não pode nada se esculhamba. Se avacalha e se esculhamba".
Se a saída era essa ou não, é tema para debate até hoje. Em todo caso, essa atitude rebelde e irreverente abriu caminhos e explorou todo um veio criativo do cinema brasileiro. É sempre bom revê-lo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
(Com Agência Estado)
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